São Paulo, sábado, 12 de junho de 2010

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livros

Cony lança memória com "5% de invenção"

"Eu, aos Pedaços" é coletânea de textos publicados em jornais e revistas pelo cronista nos últimos 50 anos

Avesso à cronologia, autor selecionou breves histórias que abordam a infância, família e militância política


Rafael Andrade/Folhapress
O escritor, jornalista e colunista da Folha Carlos Heitor Cony em seu apartamento, no Rio

MARCO RODRIGO ALMEIDA
DE SÃO PAULO

Carlos Heitor Cony nunca quis escrever uma autobiografia convencional, dessas que dizem "nasci na rua tal, em tal cidade, no ano tal". Ao rigor cronológico do gênero autobiográfico, o escritor e colunista da Folha de 84 anos prefere a liberdade associada à palavra memória, mais "parcial e seletiva".
Não é de estranhar, então, que o autor se refira a "Eu, aos Pedaços", livro que lança agora, como o mais perto que já chegou de "cometer uma biografia de si mesmo".
Os pedaços em questão são crônicas publicadas na imprensa desde 1958, agrupadas por temas como infância, jornalismo e política. Em conjunto, as crônicas formam não um retrato definitivo, mas um esboço de um homem entre meados do século 20 e início do 21.
"Se fosse fazer uma autobiografia verdadeira, teria que escrever todos os detalhes, pesquisar sobre minha família. Ao passo que nas crônicas não. Se surge uma dúvida, eu apelo logo para a ficção e resolvo tudo", diz.
O autor garante, contudo, que não abusou do recurso enquanto escrevia os textos do livro.
Ao contrário de "Quase Memória" (1995), em que Cony revisitava seu passado via ficção, "Eu, aos Pedaços" tem, segundo ele, uns "5% de invenção", no máximo. Difícil é saber identificá-los. Nas páginas do livro, momentos corriqueiros ganham dimensão graças ao estilo lapidar do autor e, muitas vezes, mais parecem fantasia do que realidade.
Numa das crônicas, por exemplo, Cony conta como o pai dele gastou um dia inteiro preparando o batizado de uma bruxinha de pano, tudo para alegrar uma menina que acabara de ficar órfã. "Isso realmente aconteceu", confirma ele.

DITADURA
Talvez por modéstia, os "pedaços" de Cony não reservam espaço para os livros que escreveu ou para sua formação intelectual. Já alguns fatos são explorados com maior riqueza. O início no jornalismo na década de 1940, escrevendo um soneto contra Carlos Lacerda para o jornal "Gazeta de Notícias", é um deles.
Outro momento narra como Cony, que até então não demonstrava interesse por política, se viu envolvido no olho do furacão após o golpe militar de 1964, do qual foi um dos primeiros e mais contundentes críticos.
Ao longo dos anos seguintes, Cony seria preso seis vezes pelos militares. "Não era a política que estava em jogo, mas a dignidade da nação, do sentimento democrático. Nunca fui de esquerda ou direita. Na verdade, me considero um anarquista inofensivo", conta. Lembrar de tantos fatos não foi problema para Cony, que ainda preserva excelente memória.
"Recordar é fundamental. Você pode criar algo totalmente inédito e original, mas não consegue abdicar totalmente da memória."


EU, AOS PEDAÇOS

AUTOR Carlos Heitor Cony
EDITORA Leya
QUANTO R$ 39,90 (256 págs.)




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