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"CARTAS A UM JOVEM E SUAS RESPOSTAS"
Obra traz correspondência entre escritores, que durou três anos, até 45
Mário queria tirar Sabino da corda bamba
MARCELO PEN
CRÍTICO DA FOLHA
Em 1944, Mário de Andrade
escreveu ao então jovem escritor mineiro Paulo Mendes
Campos: "Tenho uma enorme esperança em você, muita no Hélio
[Pellegrino], alguma no Otto [Lara Resende] e nenhuma no Fernando [Sabino]". A carta deitou
azeite no fogo.
Sabino, que andava melindrado
com o comportamento do papa
do modernismo, de quem podia
ser considerado pupilo, estrilou
de vez escrevendo-lhe: "Quanta
humildade eu precisava ter, nesta
carta que será longa e arrancada à
força -para que ela não te fira
apenas, mas ferindo te faça me escutar, que eu preciso de você, e
você está se negando a me ouvir".
O mal-estar, que gerou nova
missiva de Mário e terminou em
pazes, originou-se meses antes,
quando Sabino convidou o mestre para ser padrinho de seu casamento. O pedido tinha sentido
político, pois servia para contrabalançar a presença no consórcio
de Getúlio Vargas como padrinho
da noiva.
O presidente atendia a solicitação do governador e futuro sogro
de Sabino. Mário, ferrenho opositor do regime ditatorial de Vargas, a princípio aceitou comparecer. Depois, voltou para trás.
Para entender o caso, o leitor
deve recorrer a "Cartas a um Jovem e Suas Respostas", excelente
documento do ideário de uma
época. A desavença representa o
clímax da correspondência entre
Sabino e Mário, que se estendeu
por três anos, até pouco antes da
morte do último, em 1945. Por
trás dela reside a discussão sobre
o papel social da arte e a atitude
do artista diante das vicissitudes
do mundo.
A carta inaugural de Mário elogia a "estréia excelente" do moço
de 18 anos, mas faz reservas: "não
que o livro ["Os Grilos Não Cantam Mais'] seja bom". E aconselha o autor a abreviar o nome:
"Tavares Sabino, Fernando Tavares, Fernando Sabino. O que é impossível é Fernando Tavares Sabino". Nas epístolas seguintes, Mário sugere leituras: desde clássicos
portugueses até Rainer Maria Rilke e Katherine Mansfield. Dá dicas de estilo: evitar a linguagem
"pernóstica, lusitana" e, acima de
tudo, pilhar Machado de Assis:
"Roube dele tudo quanto possa
ser útil".
Quando Sabino enfim termina
sua novela "A Marca", que acabará franqueando sua entrada definitiva na literatura brasileira, Mário não poupa elogios: "É uma
coisa admirável sua linguagem e
seu estilo [...] uma obra-de-arte
muito perfeita, magistral". Mas
atenta para um elemento "hedonístico, de arte pela arte" na obra.
Para Mário, seu pupilo deveria
publicar imediatamente a novela
e nunca mais escrever nada da
mesma sorte.
O paulista previne o mineiro
contra as ciladas da arte pela arte
da mesma forma que o adverte
dos riscos dos apelos mundanos.
Sabino é perigosamente "solicitado pelo ambiente alto burguês".
As circunstâncias o confrontam
com várias "facilidades" (o bom
casamento, o bom emprego no
governo) que poderiam, caso não
fossem bem administradas, comprometer sua integridade moral
como artista.
A arte impõe sacrifícios, requesta a participação do artista, leva-o
a uma tomada de posição. A posição de Mário o faz desancar um
escritor de prestígio apreciado
por Sabino -Otávio de Faria, cujos valores "psicofilosóficos e profundistas" representavam "influência deletéria" para autores
como Augusto Schmidt e Lúcio
Cardoso. Deste último diz, maldosamente: "Está vendo como ele
não participa? [...] Não passa da
"moça simpática" que nem zanga
por a gente não dançar com ela
durante um baile inteirinho". Vinícius de Moraes só se salvou pois
teria conseguido libertar-se.
Mário também procura influenciar Sabino a tomar as decisões
acertadas. Vargas, no terreno da
política, e Faria, na arena artística,
são os "pais" a serem renegados.
Para Mário, o jovem escritor estava na corda bamba. Era preciso
dar-lhe equilíbrio. Nem que isso
significasse deixá-lo ao alcance
das feras.
Cartas a um Jovem e Suas Respostas
Autores: Mário de Andrade e Fernando
Sabino
Editora: Record
Quanto: R$ 30 (224 págs.)
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