São Paulo, terça-feira, 12 de julho de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

SABATINA FOLHA

Rushdie afirma ser fã do autor de "Dom Casmurro" e diz que se surpreende com a contemporaneidade da obra do brasileiro

"Machado iniciou pedigree sul-americano"

DA REPORTAGEM LOCAL

Há uma dinastia na literatura latino-americana, que começa em Machado de Assis, passa por Jorge Luis Borges e chega a Gabriel García Márquez. A análise foi feita pelo escritor anglo-indiano Salman Rushdie durante a sabatina de ontem no teatro Folha.
"Quando li três livros -"Memórias Póstumas de Brás Cubas", "Quincas Borba" e "Dom Casmurro'-, me dei conta que García Márquez era cria de Borges, e Borges, de Machado de Assis. Eu vi ali um pedigree", contou.
"Descobri a literatura da América Latina quando era um estudante universitário. Admirava Jorge Luis Borges e, por conseqüência, García Márquez, Carlos Fuentes, Alejo Carpentier e muitos outros. Muito depois, fui apresentado ao trabalho de Machado de Assis."
A contemporaneidade dos textos do brasileiro surpreenderam o autor. "Os textos de Machado de Assis não parecem ter sido escritos há mais de cem anos, parecem de ontem. Acho que há uma característica muito marcante na obra dele: um espírito moderno." E afirmou: "Sou um grande fã de Machado de Assis".
Rushdie citou ainda outros livros brasileiros recentes: "Dois Irmãos", de Milton Hatoum, e "Budapeste", de Chico Buarque. "Tenho muita admiração por ele."
"Quando acho um livro [do Brasil], tenho interesse em lê-lo. O problema para quem não lê português é que há muitas coisas que ainda não foram traduzidas."
Já a opinião de Rushdie sobre o maior best-seller brasileiro foi distinta. "Receio dizer que não gosto do trabalho de Paulo Coelho. Também não gosto do "Código Da Vinci", e parece que vende muito bem", disse. "Ou eu tenho um gosto muito ruim ou as pessoas têm um gosto muito ruim."
Em relação à questão colocada pelo sociólogo Emir Sader, sobre a força e a importância de autores que vêm de países marginalizados, Rushdie concordou: "Acho que há muita verdade nisso". E completou: "Mas, para afirmar que as pessoas vieram de lugares chamados de "margem" ou "periferia", é preciso haver um centro. Isso cria uma imagem de um dominante e um subserviente".
Ele afirmou ainda que o fato de os escritores viverem em países estrangeiros não é determinante. "Joyce viveu em Trieste, Nabokov viveu nos EUA, e isso é quase desconhecido. Hemingway em Paris continuava a ser um escritor norte-americano."
"As pessoas colocam muito peso sobre as condições particulares em que os autores trabalham. Migrantes, nômades ou o que sejam, os escritores fazem um retrato do mundo contemporâneo. Não apenas a globalização ou o transporte aéreo tornam o mundo menor, as nossas histórias nos afetam mais uns aos outros."
"Pode-se escrever um romance sobre o Brasil, a Índia, a América, mas vai se referir a um pequeno acontecimento no mundo."
Rushdie usou como exemplo William Faulkner, autor norte-americano. "Faulkner escreveu durante toda a sua vida sobre um pequeno pedaço dos EUA e nunca trouxe ecos de fora para iluminar seus personagens."
"Na minha visão, hoje tudo toca e muda todo o resto. Se você viver no Paquistão, na Inglaterra ou na Índia, você vai ver diferentes lugares que vão te ajudar a construir histórias que afetam essas conexões. Isso para mim é cada vez mais interessante, como escritor."


Texto Anterior: Impressões
Próximo Texto: Frases
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.