|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
SABATINA FOLHA
Rushdie afirma ser fã do autor de "Dom Casmurro" e diz que se surpreende com a contemporaneidade da obra do brasileiro
"Machado iniciou pedigree sul-americano"
DA REPORTAGEM LOCAL
Há uma dinastia na literatura
latino-americana, que começa em
Machado de Assis, passa por Jorge Luis Borges e chega a Gabriel
García Márquez. A análise foi feita
pelo escritor anglo-indiano Salman Rushdie durante a sabatina
de ontem no teatro Folha.
"Quando li três livros -"Memórias Póstumas de Brás Cubas",
"Quincas Borba" e "Dom Casmurro'-, me dei conta que García
Márquez era cria de Borges, e
Borges, de Machado de Assis. Eu
vi ali um pedigree", contou.
"Descobri a literatura da América Latina quando era um estudante universitário. Admirava Jorge
Luis Borges e, por conseqüência,
García Márquez, Carlos Fuentes,
Alejo Carpentier e muitos outros.
Muito depois, fui apresentado ao
trabalho de Machado de Assis."
A contemporaneidade dos textos do brasileiro surpreenderam o
autor. "Os textos de Machado de
Assis não parecem ter sido escritos há mais de cem anos, parecem
de ontem. Acho que há uma característica muito marcante na
obra dele: um espírito moderno."
E afirmou: "Sou um grande fã de
Machado de Assis".
Rushdie citou ainda outros livros brasileiros recentes: "Dois Irmãos", de Milton Hatoum, e "Budapeste", de Chico Buarque. "Tenho muita admiração por ele."
"Quando acho um livro [do
Brasil], tenho interesse em lê-lo. O
problema para quem não lê português é que há muitas coisas que
ainda não foram traduzidas."
Já a opinião de Rushdie sobre o
maior best-seller brasileiro foi
distinta. "Receio dizer que não
gosto do trabalho de Paulo Coelho. Também não gosto do "Código Da Vinci", e parece que vende
muito bem", disse. "Ou eu tenho
um gosto muito ruim ou as pessoas têm um gosto muito ruim."
Em relação à questão colocada
pelo sociólogo Emir Sader, sobre
a força e a importância de autores
que vêm de países marginalizados, Rushdie concordou: "Acho
que há muita verdade nisso". E
completou: "Mas, para afirmar
que as pessoas vieram de lugares
chamados de "margem" ou "periferia", é preciso haver um centro.
Isso cria uma imagem de um dominante e um subserviente".
Ele afirmou ainda que o fato de
os escritores viverem em países
estrangeiros não é determinante.
"Joyce viveu em Trieste, Nabokov
viveu nos EUA, e isso é quase desconhecido. Hemingway em Paris
continuava a ser um escritor norte-americano."
"As pessoas colocam muito peso sobre as condições particulares
em que os autores trabalham. Migrantes, nômades ou o que sejam,
os escritores fazem um retrato do
mundo contemporâneo. Não
apenas a globalização ou o transporte aéreo tornam o mundo menor, as nossas histórias nos afetam mais uns aos outros."
"Pode-se escrever um romance
sobre o Brasil, a Índia, a América,
mas vai se referir a um pequeno
acontecimento no mundo."
Rushdie usou como exemplo
William Faulkner, autor norte-americano. "Faulkner escreveu
durante toda a sua vida sobre um
pequeno pedaço dos EUA e nunca trouxe ecos de fora para iluminar seus personagens."
"Na minha visão, hoje tudo toca
e muda todo o resto. Se você viver
no Paquistão, na Inglaterra ou na
Índia, você vai ver diferentes lugares que vão te ajudar a construir
histórias que afetam essas conexões. Isso para mim é cada vez
mais interessante, como escritor."
Texto Anterior: Impressões Próximo Texto: Frases Índice
|