São Paulo, quinta-feira, 12 de julho de 2007

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NINA HORTA

Comida de alma

Quem disse que uma receita de torta de cerejas tem que ser escrita como bula de remédio?

E LIZABETH DAVID , a cozinheira inglesa, foi minha guru vida afora, nas comidas e nas letras. O seu percurso de escritora foi interessante. Começou a escrever sobre comida inocentemente, mas com gana, com vontade de aprender e de contar o que estava aprendendo. Fez disso seu ganha-pão. Aliás, acho que o termo ganha-pão terá sido inventado para quem escreve ou traduz, pois o que se ganha é o pão mesmo. Alguns poucos, é claro, dão conta também da manteiga.
Elizabeth David teve seu maior susto com 17 anos, ao experimentar a cozinha da França, a importância da compra, da mesa, dos rituais familiares, das festas, criando assim uma perspectiva do modo de se alimentar da Inglaterra do Pós-Guerra. Passou a vida querendo incutir outros valores em seu povo e aproveitar os que já tinham. Foi a grande influência da comida inglesa atual e, sei lá como, do mundo inteiro. Acho que era porque escrevia bem, tinha graça, inteligência, olho para o detalhe, importava-se mais com o ato de cozinhar e menos com receitas. Assim mesmo dava muitas receitas, e até elas se contagiavam do seu modo bonito de escrever. Quem disse que uma receita de torta de cerejas tem que ser escrita como uma bula de remédio para osteoporose? Devia inspirar, só isso bastava. Ou era o mais importante, segundo ela.
Pois bem. Foi vivendo, escrevendo sem parar, e aconteceu com ela o que acontece com a maioria das pessoas que falam sobre um assunto só. Deu vontade de se aprofundar aqui e ali, de levantar bandeira, de fazer pesquisa. (Já tinha a pesquisa nos ossos. É que escrevendo para revistas e jornais, onde achar tempo para se aprofundar?)
Ao envelhecer, sua casa já tinha sido tomada por tudo que é livro sobre comida do mundo e, quando viu, já tinha escrito um calhamaço sobre pães e outro sobre sorvetes. Quase acadêmicos, com jargão e tudo. Sabe aquele livro que de tão bom, tão cheio de informações importantes, descobertas, deduções, você guarda para ler depois e nunca lê? Como os suplementos literários? Falemos a verdade nua e crua. Foi ficando chata de doer. Os que gostam de erudição devem ter começado a respeitá-la a partir daí.
E, por essas e por outras, quando está me dando uma coceira de estudar comida orgânica, ritos religiosos e comida, alimentação e sexualidade (mas longe de me comparar com minha escritora favorita), respiro fundo e passo a dar receitas de comida de alma para refrescar a cuca... Imaginem que na Áustria havia uma babá de comida de alma para crianças nos dias de chuva. O cúmulo da especialidade! Pedi a duas mãezonas do bufê sua receitas de alma.
Maria-mole da Sueli
Ferver 200 ml de água. Colocar 24 g de gelatina incolor em pó numa tigela. Juntar a água fervente e levar à batedeira para dissolver a gelatina; quando estiver espumando, colocar 500 g de açúcar e continuar batendo. Quando estiver bem grossa, juntar 2 colheres de coco ralado e continuar batendo até o ponto de marshmallow. Untar a assadeira com manteiga, polvilhar mais coco e colocar a massa. Pôr na geladeira para gelar e endurecer. Cortar em quadrados grandes e individuais para servir. Rende uma assadeira dessas baixas.

Bolinho de chuva da Nalva
Bater 5 ovos com 100 g de manteiga e 3 xícaras de açúcar, acrescentar 500 g de farinha de trigo e, aos poucos, 2 xícaras de leite. Por último, juntar 1 colher de fermento em pó com raspas de meia laranja e meio limão até ficar um creme homogêneo. Fritar, às colheradas (de sobremesa), em óleo não muito quente mas também não frio. Passar no açúcar com canela. Rende, em média, cem bolinhos pequenos feitos com uma colher de chá. (Não me responsabilizo, falaram assim de cabeça.)

ninahorta@uol.com.br


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