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NINA HORTA
Comida de alma
Quem disse que uma receita de torta de cerejas tem que ser escrita como bula de remédio?
E
LIZABETH DAVID , a cozinheira
inglesa, foi minha guru vida
afora, nas comidas e nas letras. O seu percurso de escritora foi
interessante. Começou a escrever
sobre comida inocentemente, mas
com gana, com vontade de aprender
e de contar o que estava aprendendo. Fez disso seu ganha-pão. Aliás,
acho que o termo ganha-pão terá sido inventado para quem escreve ou
traduz, pois o que se ganha é o pão
mesmo. Alguns poucos, é claro, dão
conta também da manteiga.
Elizabeth David teve seu maior
susto com 17 anos, ao experimentar
a cozinha da França, a importância
da compra, da mesa, dos rituais familiares, das festas, criando assim
uma perspectiva do modo de se alimentar da Inglaterra do Pós-Guerra. Passou a vida querendo incutir
outros valores em seu povo e aproveitar os que já tinham. Foi a grande
influência da comida inglesa atual e,
sei lá como, do mundo inteiro. Acho
que era porque escrevia bem, tinha
graça, inteligência, olho para o detalhe, importava-se mais com o ato de
cozinhar e menos com receitas. Assim mesmo dava muitas receitas, e
até elas se contagiavam do seu modo
bonito de escrever. Quem disse que
uma receita de torta de cerejas tem
que ser escrita como uma bula de remédio para osteoporose? Devia inspirar, só isso bastava. Ou era o mais
importante, segundo ela.
Pois bem. Foi vivendo, escrevendo
sem parar, e aconteceu com ela o
que acontece com a maioria das pessoas que falam sobre um assunto só.
Deu vontade de se aprofundar aqui e
ali, de levantar bandeira, de fazer
pesquisa. (Já tinha a pesquisa nos
ossos. É que escrevendo para revistas e jornais, onde achar tempo para
se aprofundar?)
Ao envelhecer, sua casa já tinha sido tomada por tudo que é livro sobre
comida do mundo e, quando viu, já
tinha escrito um calhamaço sobre
pães e outro sobre sorvetes. Quase
acadêmicos, com jargão e tudo. Sabe
aquele livro que de tão bom, tão
cheio de informações importantes,
descobertas, deduções, você guarda
para ler depois e nunca lê? Como os
suplementos literários? Falemos a
verdade nua e crua. Foi ficando chata de doer. Os que gostam de erudição devem ter começado a respeitá-la a partir daí.
E, por essas e por outras, quando
está me dando uma coceira de estudar comida orgânica, ritos religiosos
e comida, alimentação e sexualidade
(mas longe de me comparar com minha escritora favorita), respiro fundo e passo a dar receitas de comida
de alma para refrescar a cuca...
Imaginem que na Áustria havia
uma babá de comida de alma para
crianças nos dias de chuva. O cúmulo da especialidade! Pedi a duas mãezonas do bufê sua receitas de alma.
Maria-mole da Sueli
Ferver 200 ml de água. Colocar
24 g de gelatina incolor em pó numa tigela. Juntar a água fervente e
levar à batedeira para dissolver a
gelatina; quando estiver espumando, colocar 500 g de açúcar e continuar batendo. Quando estiver bem
grossa, juntar 2 colheres de coco
ralado e continuar batendo até o
ponto de marshmallow. Untar a assadeira com manteiga, polvilhar
mais coco e colocar a massa. Pôr na
geladeira para gelar e endurecer.
Cortar em quadrados grandes e individuais para servir. Rende uma
assadeira dessas baixas.
Bolinho de chuva da Nalva
Bater 5 ovos com 100 g de manteiga e 3 xícaras de açúcar, acrescentar 500 g de farinha de trigo e,
aos poucos, 2 xícaras de leite. Por
último, juntar 1 colher de fermento
em pó com raspas de meia laranja e
meio limão até ficar um creme homogêneo. Fritar, às colheradas (de
sobremesa), em óleo não muito
quente mas também não frio. Passar no açúcar com canela. Rende,
em média, cem bolinhos pequenos
feitos com uma colher de chá.
(Não me responsabilizo, falaram
assim de cabeça.)
ninahorta@uol.com.br
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