São Paulo, sábado, 12 de agosto de 2000


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"O HOMEM QUE MATOU O ESCRITOR"
Sérgio Rodrigues é um autor malvado

CYNARA MENEZES
ESPECIAL PARA A FOLHA

O jornalista Sérgio Rodrigues, estreando na ficção com "O Homem Que Matou o Escritor", não é um mau escritor, ao contrário: econômico em metáforas, parcimonioso em adjetivos, avarento de frases de efeito, é um bom autor. Mas é um escritor mau. Terrível. Cruel.
Não satisfeito em matar o escritor do título, mata a jovenzinha paralítica, a pobre prostituta brasileira em Miami, até a mãe. Seus personagens são absolutamente descarados, traidores sem culpa, gente sem fé nem moral. Ou com uma moral própria, porque são também sobreviventes. E sobreviver não é fácil.
O caso do escritor que dá nome ao livro é exemplar: é óbvio que não consegue sobreviver sendo um autor frustrado e cheio de inveja do amigo que se tornou best seller. Quando a mulher o abandona, é normal que se apodere cinicamente da obra de um cadáver. Assumindo os créditos, claro.
A amiga negra prostituta do brazuca em Miami também faz o possível para sobreviver. Quando se torna vítima do cafetão branco bronzeado que a protege, é perfeitamente coerente que tudo descambe para a carnificina -ambientado em um retiro para macacos aposentados do show business, é esse o melhor dos cinco contos.
O autor tem umas obsessões bizarras. A menininha desaparecida aos 2 anos de idade na praia se chama Lurian, como a filha de Luiz Inácio Lula da Silva, revelada ao Brasil em 89. Não há muitas Lurians por aí. A moça que quer se atirar da janela se chama Ana, como a poeta Ana Cristina César, que se jogou do edifício onde morava, em 83.
O mundo de Sérgio Rodrigues não é inverossímil, embora impressionante. É "A Vida Como Ela É", ele mesmo define no primeiro conto, quando o Nelson também escritor visita o cronista canalha no hospital para consolá-lo. Nelson Rodrigues parece ser influência assumida do xará no sobrenome e no gosto pelo bizarro e pelo cruel.
Frases divertidas como "Dorinha era a discrição em forma de louraça" parecem ter saído da pena de Nelson, pairando fantasmagórico, como no conto, sobre as perversidades que perpetra Sérgio, e repetindo: "Uma coisa tremenda!".
As obsessões rodriguianas em torno da família -as mães de Sérgio Rodrigues são monstros escondidos sob a forma de velhinhas e enfermeiras- e a figura da "mulher honesta" também estão lá.
Sérgio Rodrigues, não há dúvida, é um escritor mau. Malvado. E a impressão que deixa seu primeiro livro é de que, quando decidir escancarar de vez a ruindade, ainda melhor escritor será.


O Homem Que Matou o Escritor
    Autor: Sérgio Rodrigues Editora: Objetiva Quanto: R$ 18,50 (126 págs.)




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