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COMENTÁRIO
Fox percorre 500 anos de arte brasileira em 7min36s
MARIO SERGIO CONTI
DA REPORTAGEM LOCAL
O México tem pressa. Na
quarta-feira passada, a Mostra do Redescobrimento ultrapassou a marca de 1 milhão de visitantes. No mesmo dia, foi batido o
recorde de velocidade de visita à
exposição: Vicente Fox, presidente eleito do México, percorreu o
prédio da Bienal, a Oca e a Pinacoteca do Ibirapuera em 7min36s
cravados. Foram quase 70 anos de
arte brasileira por minuto, mais
de um ano por segundo.
O México tem fome. "Vamonos
rapidamente para que los convidados para la cena no se quedem
esperando por mucho tiempo",
disse Fox a Edemar Cid Ferreira,
presidente da Associação Brasil
500 Anos, assim que botou os pés
na Bienal, às 21h40 da quarta-feira. "Si, por supuesto", respondeu
Ferreira. Foi dada a largada do
cortejo.
No abre-alas, disparou o time
de contorcionistas: nove fotógrafos que corriam de costas para flagrar o presidente eleito de frente,
empunhando suas máquinas e
carregando suas mal-ajambradas
bolsas com lentes e filmes.
O segundo pelotão era formado
por seguranças brasileiros e mexicanos. Os primeiros estavam
preocupados em evitar que os fotógrafos trombassem com as
obras de arte. Os segundos, cientes de que "el jefe" tinha pressa e
fome, urgiam os fotógrafos a acelerar a marcha a ré.
No terceiro bloco vinha a ala
"Ex": o ex-petista Francisco Weffort, hoje ministro da Cultura do
governo tucano-pefelê-malufista,
e Jorge Castañeda, um ex-esquerdista que escreveu uma biografia
de Che Guevara e agora é assessor
de relações internacionais de Fox,
que é tão de esquerda quanto o
ex-prefeito e ex-chanceler Olavo
Setúbal.
Castañeda também estava preocupado com os fotógrafos. "Vamos apertar o passo para ficar do
lado do presidente e aparecer nas
fotos", disse o esguio e elétrico
Castañeda ao rechonchudo e bonachão Weffort. "Ah, não, vai você", retrucou o ministro da Cultura, ofegando com discreta elegância. Não houve acordo entre as
forças da falecida esquerda: a dupla "Ex-Ex" apressou a marcha,
mas não o suficiente para alcançar o veloz Fox.
Para ir do prédio da Bienal à
Oca, a comitiva embarcou em
carrinhos elétricos. Uma lépida
fotógrafa se aboletou com sua traquitana no banco da frente de um
veículo. Um segurança mexicano
com feições de índio tentou forçá-la a ceder o lugar a um compatriota empresário.
"Ela vai com a gente", retrucou
o segurança brasileiro que dirigia
o carrinho, um moreno de óculos
escuros. "No, ella no puede", protestou o mexicano. "Ah, é?", perguntou o brasileiro, acelerando
com um sorriso sardônico e deixando para trás o sonho bolivariano da solidariedade latino-americana.
Ao percorrer a marquise, a comitiva teve de desviar de skatistas
que, de farra, deslizavam perigosamente entre os carrinhos. Seguranças mexicanos e brasileiros se
uniram numa mesma expressão
de ódio contra a moçadinha skatista, que não estava nem aí para a
Operação Condor improvisada.
"Que impressionante", disse Vicente Fox a respeito da arquitetura da Oca, onde se deteve por três
segundos para contemplar uma
máscara mortuária indígena.
"Que impressionante", repetiu o
presidente na Pinacoteca, parando outros dois segundos para
analisar uma máscara de reisado.
Ao chegar ao salão do jantar, o
impressionado Fox não parecia
ter subido e descido as incontáveis e infindáveis rampas da mostra. Aos 58 anos, estava todo lampeiro dentro de seu terno cinza-claro, com seus quase 2m perfeitamente aprumados sobre os saltinhos de suas botas pretas.
Enquanto aguardavam Fox, os
convivas do jantar ("para pessoas
representativas da sociedade paulista", conforme dizia o convite),
entretinham-se em conversas
amenas, lubrificadas por vinhos
australianos, uísques escoceses e
canapés de gosto indefinível.
Numa roda, o reitor Jacques
Marcovich se queixava da violência dos militantes do PSTU e da
"retórica incendiária" da filósofa
Marilena Chauí durante a greve
dos professores da USP.
Noutra, Roberto Mangabeira
Unger, ex-quase-candidato do
ex-PCB à prefeitura paulistana,
tentava explicar as diferenças entre as estratégias políticas da primeira, da segunda e da terceira via
na atual conjuntura internacional. "Si, es preciso reduzir el cambio del coche de la tercera para la
segunda marcha", disse-lhe um
bem-humorado interlocutor mexicano.
Os cerca de 40 convidados (nenhum deles negro, "por supuesto") acomodaram-se em cinco
mesas. O cardápio consistia de salada, badejo assado, bobó de camarão apimentado e ravióli com
molho branco.
O serviço foi à americana, também conhecido como bandejão:
cada convidado ia até a bancada
com a comida, onde eram atendidos por dois garçons (um deles
negro, "como no?") que, aos sussurros, discutiam momentosas
questões trabalhistas. "É claro que
vai ter hora extra", dizia um, otimista. "Sei não", rebatia o outro,
cético.
Serviram-se primeiro os integrantes da mesa presidencial. As
outras mesas, observando a fila
minguar lentamente, quedaram-se, à espreita. Ficava feio partir em
desabalada carreira rumo às iguarias fumegantes, ainda que passasse das 22h e os estômagos ronronassem num uníssono chiquérrimo. Exceto o do secretário
municipal da Cultura Rodolfo
Konder, que, escolado, fizera uma
escala numa barraquinha de cachorro-quente do Ibirapuera antes de seguir viagem para a Pinacoteca.
A mesa vice-presidida pelo vice-presidente da Fundação Brasil
500 Anos, a mais animada, foi de
uma agilidade ímpar. O editor Pedro Paulo de Sena Madureira levantou-se, ajeitou a gravata-borboleta vermelha, apontou com a
piteira a bancada com as comilanças e, antes que pudesse conclamar "os que forem brasileiros que
me sigam!", seus amigos o ultrapassaram e chegaram aos quitutes antes dele e das outras mesas.
Edemar Cid Ferreira levantou e
fez um curto discurso de saudação. Fox agradeceu com um discurso não tão curto. "Alguém
quer fazer alguma pergunta ao
presidente?", indagou Cid Ferreira. Para chateação dos que haviam optado em escutar os discursos sem comer, foram feitas
cinco perguntas.
Nas cinco respostas, Fox foi gradativamente da prolixidade à objetividade. Na primeira delas,
quase contou a história do México desde o surgimento da civilização maia até a sua eleição. Na última, sobre as relações com Cuba,
limitou-se a responder que seriam incrementadas.
Na mesa com maior número de
maledicentes, cogitou-se perguntar ao presidente se ele era gay.
Houve polêmica. Uns notaram a
semelhança entre o bigode do divorciado Fox e o do solteirão convicto Freddie Mercury, falecido líder da banda Queen. Outros argumentaram que o bigodão presidencial era um vistoso estandarte
do machismo mexicano.
Debateu-se também à sorrelfa a
propriedade de se fazer uma
questão sobre o narcotráfico. Mas
a formulação da pergunta "Señor
presidente, le gusta la marijuana?" - não conseguiu unanimidade e foi abandonada entre risotas.
Fox não fez nenhuma piadinha.
Parecia tão tenso quanto sua interlocutora, Lygia Fagundes Telles. Durante todo o jantar, a escritora lançava olhares súplices em
direção à mesa dos maledicentes.
Depois, ela explicou: "Eu estava
louca para fumar, mas como o
presidente não fuma, me controlei, e ficava olhando com inveja
para a mesa em que mais se fumava".
O México tem sono. Logo depois da sobremesa, Cid Ferreira
anunciou que Fox, fatigado, estava se retirando. Ao segurança que
embombou com a fotógrafa coube a hercúlea tarefa de carregar os
catálogos da mostra. Somados,
eles pesam doze quilos.
Marcel Proust, que foi cronista
social amador, ensina que o melhor de uma festa são os comentários a respeito dela no dia seguinte. Comentários pós-jantar dão
base à seguinte lista de altos e baixos do regabofe na Pinacoteca,
acompanhada de frases de participantes:
A mais bonita: Daniela Crespi
de Camaret. "Como dizia o Ibrahim Sued, ela é bem-nascidérrima."
O mais sem desconfiômetro: o
jornalista Eric Nepomuceno, por
ter feito sua pergunta a Fox em
castelhano. "O brizolista quis dar
uma de poliglota."
A gracinha mais infame: "Esse
Fox é uma raposa".
O mais entusiasmado com a
mostra: Cid Ferreira. "Ele falou
234 vezes que a exposição já teve 1
milhão de visitantes, eu contei."
O mais por cima da guacamole:
Jorge Castañeda. "É o fim não
desligar o celular durante o jantar."
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