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CINEMA/ESTRÉIA
Diretor de "Central do Brasil" debuta no gênero terror com produção americana que chega hoje ao país
Com "Água Negra", "resolvi me colocar em risco", diz Salles
Divulgação
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O diretor Walter Salles e a atriz Jeniffer Connelly, durante as filmagens do longa "Água Negra" |
SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL
O cineasta Walter Salles primeiro conquistou platéias internacionais com seus títulos brasileiros,
como "Central do Brasil" (1998).
Agora, Salles faz o caminho inverso. Estréia hoje no Brasil
"Água Negra", nome em português de "Dark Water", produção
dos estúdios Touchstone e Pandemonium/Vertigo, que o diretor
filmou com elenco americano.
Trata-se de um remake do filme
do japonês Hideo Nakata sobre
uma mulher que, após a separação do marido, vai viver com a filha num apartamento alugado.
Um bolor se expande no teto de
seu quarto. Uma água negra jorra
das torneiras. Um mistério no
apartamento vizinho aponta para
uma trama sinistra. Dhalia (Jennifer Connelly) afunda num redemoinho emocional.
Na entrevista a seguir, Salles fala
de sua experiência no gênero do
terror. Acompanhe.
Folha - Por que o sr. decidiu embrenhar-se pelo gênero terror?
Walter Salles - Filmes de gênero
podem falar de forma interessante de temas como o abandono, a
solidão urbana, o medo. O "filme
noir", por exemplo, revela como a
violência é constitutiva da sociedade norte-americana.
Resolvi, pelo espaço de um filme apenas, investigar uma forma
narrativa que me era estrangeira,
me colocar em risco.
Folha - Como lidou com essa diferença vindo de "Diários de Motocicleta", adaptação literária, com
elenco latino, filmado na região?
Salles - Fazer qualquer filme é
difícil, ainda mais depois de "Diários". Vivemos ali uma experiência única. "Água Negra" começou
com parâmetros interessantes. Financiamento independente vindo da Europa, liberdade para a escolha de atores e técnicos, filmagem no Canadá.
Pouco antes de o filme começar,
o financiamento europeu caiu por
terra, e o filme foi encampado pelo estúdio que iria distribuí-lo.
A filmagem em si foi pouco afetada pela mudança. As dificuldades maiores se concentram na
pós-produção. Num filme de estúdio, cada etapa da montagem é
submetida a testes de audiência,
como se cinema fosse novela.
A inteligibilidade da trama vira
uma preocupação central. Diminuem o silêncio e os espaços em
branco, que deveriam ser completados pelo espectador.
Folha - Cotejando seu filme com o
de Nakata, que avaliação o sr. faz?
Salles - É necessário falar do novo cinema de gênero que diretores como Kiyoshi Kurosawa ou
Nakata inauguraram no Japão.
Ao contrário do cinema de gênero feito hoje nos EUA, não há
[no japonês] uma divisão do
mundo entre o bem e o mal.
Os demônios ou os fantasmas
pertencem aos personagens, não
são exteriores à trama. Não há,
também, a heroificação do personagem principal. Existe a possibilidade da derrota, da perda.
Talvez as diferenças maiores entre os dois filmes estejam no abismo cultural existente entre o Japão e os Estados Unidos. "Ugetsu
Monogatari", do mestre Mizoguchi, ou "Depois da Vida", de Kore-Eda, mostram o quanto a vida
após a morte é um tema presente
na cultura japonesa.
Na cultura norte-americana
marcada pelo protestantismo,
não. Um fantasma em um filme
japonês pode ter uma longa conversa com sua filha, como acontece no belo final do filme de Nakata. Nos EUA, isso seria inconcebível. Se a vizinha vê, chama o FBI.
Folha - De que tratará seu próximo filme, "Linha de Passe", em co-direção com Daniela Thomas?
Salles - Há hoje no cinema dois
modelos em direção contrária. De
um lado, o cinema comercial, que
acredita numa dramaturgia cada
vez mais recheada de eventos; do
outro, filmes que acreditam numa
deflação dramatúrgica.
Esse outro cinema registra o que
poderíamos chamar de "espaço
entre eventos". A espera, o silêncio, a vida de todos os dias.
A dramaturgia de "Linha de
Passe" respeita "esse espaço entre", ao mesmo tempo que tem a
pulsação de um jogo de futebol.
O roteiro [de Daniela Thomas e
George Moura] começou a ser escrito três anos atrás, mas fala daquilo que se tornou central no
Brasil de hoje: ética.
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