São Paulo, sexta-feira, 12 de agosto de 2005

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CINEMA/ESTRÉIA

Diretor de "Central do Brasil" debuta no gênero terror com produção americana que chega hoje ao país

Com "Água Negra", "resolvi me colocar em risco", diz Salles

Divulgação
O diretor Walter Salles e a atriz Jeniffer Connelly, durante as filmagens do longa "Água Negra"


SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

O cineasta Walter Salles primeiro conquistou platéias internacionais com seus títulos brasileiros, como "Central do Brasil" (1998).
Agora, Salles faz o caminho inverso. Estréia hoje no Brasil "Água Negra", nome em português de "Dark Water", produção dos estúdios Touchstone e Pandemonium/Vertigo, que o diretor filmou com elenco americano.
Trata-se de um remake do filme do japonês Hideo Nakata sobre uma mulher que, após a separação do marido, vai viver com a filha num apartamento alugado.
Um bolor se expande no teto de seu quarto. Uma água negra jorra das torneiras. Um mistério no apartamento vizinho aponta para uma trama sinistra. Dhalia (Jennifer Connelly) afunda num redemoinho emocional.
Na entrevista a seguir, Salles fala de sua experiência no gênero do terror. Acompanhe.
 

Folha - Por que o sr. decidiu embrenhar-se pelo gênero terror?
Walter Salles -
Filmes de gênero podem falar de forma interessante de temas como o abandono, a solidão urbana, o medo. O "filme noir", por exemplo, revela como a violência é constitutiva da sociedade norte-americana.
Resolvi, pelo espaço de um filme apenas, investigar uma forma narrativa que me era estrangeira, me colocar em risco.

Folha - Como lidou com essa diferença vindo de "Diários de Motocicleta", adaptação literária, com elenco latino, filmado na região?
Salles -
Fazer qualquer filme é difícil, ainda mais depois de "Diários". Vivemos ali uma experiência única. "Água Negra" começou com parâmetros interessantes. Financiamento independente vindo da Europa, liberdade para a escolha de atores e técnicos, filmagem no Canadá.
Pouco antes de o filme começar, o financiamento europeu caiu por terra, e o filme foi encampado pelo estúdio que iria distribuí-lo.
A filmagem em si foi pouco afetada pela mudança. As dificuldades maiores se concentram na pós-produção. Num filme de estúdio, cada etapa da montagem é submetida a testes de audiência, como se cinema fosse novela.
A inteligibilidade da trama vira uma preocupação central. Diminuem o silêncio e os espaços em branco, que deveriam ser completados pelo espectador.

Folha - Cotejando seu filme com o de Nakata, que avaliação o sr. faz?
Salles -
É necessário falar do novo cinema de gênero que diretores como Kiyoshi Kurosawa ou Nakata inauguraram no Japão.
Ao contrário do cinema de gênero feito hoje nos EUA, não há [no japonês] uma divisão do mundo entre o bem e o mal.
Os demônios ou os fantasmas pertencem aos personagens, não são exteriores à trama. Não há, também, a heroificação do personagem principal. Existe a possibilidade da derrota, da perda.
Talvez as diferenças maiores entre os dois filmes estejam no abismo cultural existente entre o Japão e os Estados Unidos. "Ugetsu Monogatari", do mestre Mizoguchi, ou "Depois da Vida", de Kore-Eda, mostram o quanto a vida após a morte é um tema presente na cultura japonesa.
Na cultura norte-americana marcada pelo protestantismo, não. Um fantasma em um filme japonês pode ter uma longa conversa com sua filha, como acontece no belo final do filme de Nakata. Nos EUA, isso seria inconcebível. Se a vizinha vê, chama o FBI.

Folha - De que tratará seu próximo filme, "Linha de Passe", em co-direção com Daniela Thomas?
Salles -
Há hoje no cinema dois modelos em direção contrária. De um lado, o cinema comercial, que acredita numa dramaturgia cada vez mais recheada de eventos; do outro, filmes que acreditam numa deflação dramatúrgica.
Esse outro cinema registra o que poderíamos chamar de "espaço entre eventos". A espera, o silêncio, a vida de todos os dias.
A dramaturgia de "Linha de Passe" respeita "esse espaço entre", ao mesmo tempo que tem a pulsação de um jogo de futebol.
O roteiro [de Daniela Thomas e George Moura] começou a ser escrito três anos atrás, mas fala daquilo que se tornou central no Brasil de hoje: ética.


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