São Paulo, quarta-feira, 12 de agosto de 2009

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"À Deriva" ressoa "Chuva de Verão"

Filme brasileiro lançado há duas semanas, após exibição em Cannes, chama atenção por semelhanças com longa neozelandês

Protagonistas são jovens e abrem ambos os filmes boiando no mar; diretor brasileiro diz que filmou baseado em suas memórias

Divulgação
Cena do brasileiro ‘À Deriva’, exibido no Festival de Cannes

FERNANDA EZABELLA
DA REPORTAGEM LOCAL

Família passa férias de verão na praia. A filha descobre o sexo e o casamento dos pais desaba. Poderia ser a sua família, poderia ser a de qualquer um. E é justamente a família de dois filmes, um da Nova Zelândia, de 2001, e um brasileiro, que estreou há doze dias.
Mas as semelhanças entre o estrangeiro "Chuva de Verão" e o nacional "À Deriva", do pernambucano Heitor Dhalia, vão bem além desse enredo básico, com coincidências, ou não, que vêm causando burburinho entre cinéfilos e blogueiros.
Em comum, os dois longas têm uma jovem protagonista, que se assemelha a uma Lolita. São representadas por atrizes completamente desconhecidas do público: em "À Deriva", destaca-se Laura Neiva, descoberta no Orkut; no outro, Alicia Fulford-Wierzbicki, também estreante no cinema.
No nacional, seu pai (interpretado por Vincent Cassel) tem um caso com uma jovem estrangeira (Camilla Belle), quase que na cara da mãe (Débora Bloch). No outro, a mãe (Sarah Peirse) tem um caso com um jovem fotógrafo (Marton Csokas), quase que na cara do pai (Alistair Browning).
Os dois filmes também começam com a protagonista boiando no mar. No final, as duas perdem a virgindade. O figurino, assinado por Alexandre Herchcovitch na obra nacional, também tem certa analogia (veja fotos no quadro ao lado).
Há ainda cenas em ambos os longas em que os irmãos disputam para ver quem fica mais tempo debaixo d"água. E, ainda, cenas de alcoolismo por parte das mães, que surgem quase sempre com um copo na mão.
Os filmes têm diferenças: enquanto o primeiro é ensolarado, o segundo tem clima mais nublado. Enquanto o primeiro é cheio de gente jovem e bonita, o segundo tem a garota solitária, cercada de adultos. E, enquanto o primeiro tem final mais esperançoso, o segundo acaba em morte.

Não é plágio
"Eu percebi que era o mesmo conceito, a mesma ideia. Algumas pessoas comentaram comigo. Mas prefiro muito mais o "À Deriva'", disse Egberto Almeida, gerente de produtos da Casablanca Filmes, que lançou "Chuva de Verão" em DVD no Brasil, em 2004.
Segundo ele, o longa da neozelandesa Christine Jeffs -exibido no Festival de Cannes em 2001 e premiado em eventos na Ásia, Portugal e Nova Zelândia-, teve "venda razoável" no Brasil para o tipo de produto, classificado como filme de arte. Ainda é possível encontrá-lo à venda em lojas do país.
Em blogs, os comentários são mais pesados. ""À Deriva" é a versão brasileira de "Rain" [nome original de "Chuva de Verão']", escreveu uma anônima no blog da publicitária Julia Petit. "Mesmo cenário, mesma história etc. etc. Pura cópia."
O crítico Marcelo Miranda, do jornal mineiro "O Tempo", comentou num blog de cinema: "É quase o mesmíssimo filme, não apenas no enredo, praticamente o mesmo (no sentido estrito do termo)".
Para o crítico da Folha Inácio Araujo, "À Deriva" parece uma releitura latina de "Chuva de Verão" (leia texto ao lado).
Tais semelhanças, no entanto, não caracterizam plágio, de acordo com especialistas ouvidos pela reportagem.
Segundo eles, não existe nenhum direito que assegure a "ideia em abstrato", que seriam os clichês do cinema, como o triângulo amoroso, a família de férias na praia ou o alcoolismo familiar. Nem tudo isso junto seria suficiente para uma condenação na Justiça.
"Para existir plágio, você teria que praticamente ter semelhanças quadro a quadro", disse o advogado Antonio Carlos Morato, professor da USP, especialista em direito autoral. "Caso contrário, é exercício de liberdade criativa."
O advogado especialista José Carlos Mattos concorda. "Qualquer nuance diferente, como um final diferente [o que acontece neste caso], já levaria a uma não condenação."
A diretora Christine Jeffs, 46, foi procurada pela reportagem, mas não respondeu até do fechamento desta edição. "Chuva de Verão" foi seu primeiro longa-metragem, seguido de "Sylvia - Paixão Além das Palavras" (2003) e "Sunshine Cleaning" (2008). O roteiro de "Chuva de Verão" foi adaptado por ela de um livro homônimo da autora e conterrânea Kirsty Cameron, inédito no Brasil.
Já "À Deriva", também exibido em Cannes, na edição 2009, tem roteiro de Dhalia, feito em colaboração com Vera Egito.


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