|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Bienal do Livro do Rio
Feira terá "batalha" entre escritores "de guerra"
Autores de "Eu Sou o Livreiro de Cabul", "O Salão de Beleza de Cabul" e "As Andorinhas de Cabul" se enfrentam em mesa sobre o Afeganistão
Soldado que salvou cãozinho no Iraque é outro campeão de vendas no evento
SYLVIA COLOMBO
LUCIA VALENTIM RODRIGUES
DA REPORTAGEM LOCAL
Não vai faltar pólvora nem
poeira. O Rio de Janeiro será
palco de uma verdadeira batalha entre autores que fazem
uso das guerras contemporâneas para escrever best-sellers.
O "mistério" das mulheres de
burka do Afeganistão, as belas
paisagens iraquianas conspurcadas pela fumaça dos bombardeios ou tragédias pessoais comoventes de ex-combatentes
são apenas algumas das imagens em discussão no evento
como um todo e, especialmente, na mesa "A Verdade sobre
Cabul", amanhã, às 18h, na Bienal do Livro do Rio de Janeiro.
Desde o 11 de Setembro, o filão da "literatura de conflito" só
faz crescer, ocupando as listas
de best-sellers e amontoando-se nas primeiras pilhas das vitrines das megalivrarias.
Como se não bastassem as
conseqüências funestas da política internacional norte-americana, até a boa literatura saiu
ferida, abalada pela nova moda.
O mercado não pára de lançar
títulos de qualidade duvidosa,
que exploram o horror alheio,
muitas vezes escritos por pessoas que nunca puseram os pés
no Afeganistão ou no Iraque.
De modo geral, esses livros
trazem histórias pontuais, de
mulheres, crianças -e até de
um animalzinho- no contexto
da guerra. As "situações-limite" permitem que os autores
transmitam "lições de vida".
Na mesa de amanhã, estarão
o afegão Shah Muhammad
Rais, de "Eu Sou o Livreiro de
Cabul", a americana Deborah
Rodriguez ("O Salão de Beleza
de Cabul") e o argelino Yasmina Khadra, autor de uma trilogia -"O Atentado", sobre Israel, "As Andorinhas de Cabul",
sobre o Afeganistão durante o
Taleban, e "As Sirenas de Bagdá", sobre o Iraque. O debate
deve pegar fogo, pois os autores
têm posições bem diferentes.
Rais concorda que existe um
filão editorial de guerra e que
todos estejam "tentando ordenhar a vaca". Prova disso é o
processo que ele mesmo
move contra a norueguesa Asne Seierstad,
por ter contado sua
história com imperfeições em "O Livreiro de
Cabul". Em "Eu Sou o
Livreiro de Cabul", Rais
responde à Seierstad -e
toma carona no hype.
"Oportunistas são parte do jogo. Mas não sou um deles. Meu
novo livro será uma pesquisa
sobre meu país."
Perspectiva feminina
A norte-americana Deborah
Rodriguez disse que espera ser
bombardeada pelos colegas de
mesa. "Eu sou norte-americana, não sou muçulmana e escrevi um livro sobre um país
que não conheço direito", disse
à Folha. A autora morou alguns anos em Cabul, e seu romance conta a história de um
salão de cabeleireiro (ela é cabeleireira) no qual as mulheres
se encontram e falam de seus
dramas pessoais. Por expor demais a perspectiva feminina,
diz que foi ameaçada e deixou o
país para voltar aos EUA.
"Não me sinto impedida de
escrever sobre Cabul por ser
ocidental. É absurdo me questionarem por contar uma história do meu ponto de vista."
Rodriguez certamente vai topar de frente com Yasmina
Khadra. O argelino se diz o
"único escritor a dar um enfoque correto ao que está acontecendo no Oriente". Autor premiado e elogiado por grandes
da literatura contemporânea,
como o sul-africano J.M. Coetzee, Khadra é duro ao atacar os
que chama de oportunistas.
"Eles não têm compromissos
com os direitos humanos. Se
intelectuais não agem com decência, não se pode esperar que
contribuam para a paz", diz.
Apesar de tanta segurança,
Khadra admite que tampouco
conhece bem a realidade que
descreve em seus romances.
"Estive alguns dias no Iraque,
me recuso a pôr os pés em Israel e nunca fui ao Afeganistão.
Mas não preciso, entendo as
mentalidades e uso minhas
convicções. Faço da ficção uma
terapia da realidade", diz.
Khadra ataca leitores dos livros comerciais que falam de
guerras. "O interesse dos ocidentais é indecente, uma atração de voyeur. As pessoas são
fascinadas pelo horror, pela catástrofe. Depois da imagem impactante que absorvem, esquecem. Dizer que o Ocidente quer
saber do resto do mundo pela
boa venda desses livros é falso."
Outra "estrela de guerra"
presente na bienal é o ex-soldado norte-americano Jay Kopelman, cujo relato "De Bagdá,
com Muito Amor" está na lista
de mais vendidos desde que foi
lançado aqui. O livro conta a
história de como Kopelman
resgatou um cãozinho no meio
dos destroços de Fallujah.
Ele acha que os leitores estão
procurando livros sobre conflito para saber "o que o noticiário da televisão não mostra. Ou
seja, as histórias pessoais dos
que estão no combate".
Sobre ter deixado o Exército
para virar celebridade, Kopelman diz que tudo foi obra do
acaso. "O meu encontro com
Lava [o cãozinho] teve algo mágico, não dá para explicar racionalmente, pode-se chamar de
fé, de coincidência. Foi uma lição de vida. E espero que meu
livro possa transmitir isso", diz.
Além de distribuir exemplos,
Kopelman conta o que mais
quer fazer no Rio. "Surfar, conhecer pessoas, "have a good time"." Graças a Bush?
Texto Anterior: Horário nobre na TV aberta Próximo Texto: Frase Índice
|