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JOÃO PEREIRA COUTINHO
Me engana que eu gosto
É impressão minha ou a alegria do Brasil vem embalada numa tristeza de quem ri para não chorar?
ESPANTOSO: A revista "Vanity
Fair" já publicou Dorothy
Parker ou Robert Benchley.
Hoje publica A.A. Gill, jornalista que
visitou o Brasil para escrever um
texto que dá pena. Diz Gill, com erudita sofisticação, que existem dois
povos no mundo. Os que gostam de
seios e os que gostam de bundas. Os
americanos gostam de seios. Grandes. Enormes. Os brasileiros preferem as bundas. O filósofo Gill gosta
de brasileiros, ou seja, gosta de bundas. E oferece um ensaio onde está o
supremo clichê sobre o Brasil: apesar do crime, das favelas, da corrupção política e do fosso miserável entre ricos e pobres, o Brasil é só alegria. O Brasil é só bundas.
Será? Uns meses atrás, em Lisboa,
comentei o fato com uma atriz brasileira que conhece por dentro as
manifestações de alegria que o Brasil oferece ao mundo. E perguntei:
era impressão minha ou a alegria do
Brasil vinha sempre embalada numa tristeza funda -a tristeza própria de quem ri para não chorar?
Ela gostou da pergunta e contou
uma história a respeito: a história de
como os cariocas transbordam de
agrado para as câmeras durante o
Carnaval, mas regressam à melancolia sincera quando as câmeras se
apagam. Questão de segundos. Ela
própria presenciara o fenômeno repetidas vezes numa única noite: o
sorriso, o festejo automático, a vibração do corpo perante as lentes; e,
quando as lentes se afastam, o desânimo progressivo, o desencanto e finalmente a solidão. A imagem é perfeita como comentário de outra
imagem: a imagem que os brasileiros constroem de si próprios para
iludir a realidade em volta.
É um problema de estima. De "auto-estima", a palavra fatal que acabou por substituir outra. "Auto-respeito." Não são a mesma coisa. Montaigne explica. A estima pressupõe o
olhar dos outros sobre nós. O respeito pressupõe o olhar de nós sobre
nós próprios. A auto-estima depende da opinião alheia. O auto-respeito
depende da opinião pessoal: de aceitarmos o que somos sem a obrigação
tirânica de sermos o que os outros
esperam que sejamos. Para Montaigne, é o auto-respeito que permite uma felicidade serena, ou possível. A auto-estima, porque dependente de terceiros, é volátil como o
vento. E gera uma insatisfação voraz
que transforma qualquer ser humano num escravo.
Os brasileiros vivem para os outros, não para si próprios. E a constante preocupação com a imagem -
uma imagem radiosa, perfeita e feliz- é apenas a expressão mais visível dessa escravidão: com menos rugas; mais seios; mais bunda; melhor
nariz; e com a máscara jubilosa de
quem passa pela vida a sambar, talvez a realidade seja sublimada, ou
apagada. E talvez a tristeza não venha quando as câmeras se apagam.
Mas a tristeza vem quando as câmeras se apagam. Porque ela sempre esteve lá. E a realidade permanece intocada pelo som efusivo do pandeiro: crime, favelas, corrupção política, o fosso miserável entre ricos e pobres. E a obrigação pessoal, e crescente, e permanente, de sorrir para
as câmeras. De sorrir para os outros.
Até quando, Brasil? Até quando
negarás que não existe coisa mais
triste do que a alegria do teu povo?
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