São Paulo, sábado, 12 de setembro de 2009

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Crítica/"O Sal da Terra"

Ford faz painel ambicioso da classe média

ADRIANO SCHWARTZ
ESPECIAL PARA A FOLHA

Um aluno entra na sala, aponta uma arma para a professora - uma docente "acima da média"- e pergunta: "Está pronta para encontrar o seu criador?". Ela responde: "Estou. Acho que estou". Ele atira nela e, em seguida, se mata. É com essa história, que seu protagonista lê em uma página de jornal, que Richard Ford começa "O Sal da Terra".
Para Frank Bascombe, que já fora o personagem central dos romances "O Cronista Esportivo" e "Independência", surge uma questão crucial: como é que ela sabia estar pronta?
Ex-candidato a escritor, ex-jornalista, corretor de imóveis, pai de três filhos (um deles morto na infância), ao vislumbrar a velhice que chega e lutar contra um câncer na próstata, ele não tem ideia de se poderia responder algo semelhante (a propósito, será que algum crítico literário já discutiu as razões não óbvias do fascínio que o câncer na próstata exerce sobre uma infinidade de escritores americanos?).
Como nos dois romances anteriores, a ação aqui transcorre em poucos dias próximos a um importante feriado americano (no caso, o Dia de Ação de Graças) e o narrador-protagonista tenta dar conta de tudo o que faz e pensa no período, buscando a cada minuto transformado em texto o sentido de uma vida que parece sempre distante: "Ela poderia dizer quase qualquer coisa sobre mim e eu teria de pensar um pouco na possibilidade -e é por isso que eu nunca aceitaria fazer o teste do detector de mentiras, não porque eu minta, mas porque acho possíveis coisas demais".
A força do romance, um painel ambicioso da classe média dos EUA, decorre em grande medida de um calculado descompasso entre o que é contado (e quem está contando) e uma mistura arriscada e bem-sucedida de tons solenes e irônicos que a prosa adquire neste autor pertencente à rica família do realismo norte-americano: "Digo a mim mesmo, e digo a sério, ainda que eu achasse que já dizia todo dia e já a sério: "Esta é a merda que eu sou! Minha vida é assim -admitindo, como fiz, que vergonha e que desastre seria se, depois de virar pó, eu e o mundo discordássemos quanto a isso"."


ADRIANO SCHWARTZ é professor de literatura da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo.

O SAL DA TERRA

Autora: Richard Ford
Editora: Record
Tradução: Maria Beatriz Medina
Quanto: R$ 69,90 (602 págs.)
Avaliação: bom


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