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Crítica/"O Sal da Terra"
Ford faz painel ambicioso da classe média
ADRIANO SCHWARTZ
ESPECIAL PARA A FOLHA
Um aluno entra na sala,
aponta uma arma para
a professora - uma
docente "acima da média"- e
pergunta: "Está pronta para encontrar o seu criador?". Ela responde: "Estou. Acho que estou". Ele atira nela e, em seguida, se mata. É com essa história,
que seu protagonista lê em uma
página de jornal, que Richard
Ford começa "O Sal da Terra".
Para Frank Bascombe, que já
fora o personagem central dos
romances "O Cronista Esportivo" e "Independência", surge
uma questão crucial: como é
que ela sabia estar pronta?
Ex-candidato a escritor, ex-jornalista, corretor de imóveis,
pai de três filhos (um deles
morto na infância), ao vislumbrar a velhice que chega e lutar
contra um câncer na próstata,
ele não tem ideia de se poderia
responder algo semelhante (a
propósito, será que algum crítico literário já discutiu as razões
não óbvias do fascínio que o
câncer na próstata exerce sobre
uma infinidade de escritores
americanos?).
Como nos dois romances anteriores, a ação aqui transcorre
em poucos dias próximos a um
importante feriado americano
(no caso, o Dia de Ação de Graças) e o narrador-protagonista
tenta dar conta de tudo o que
faz e pensa no período, buscando a cada minuto transformado
em texto o sentido de uma vida
que parece sempre distante:
"Ela poderia dizer quase qualquer coisa sobre mim e eu teria
de pensar um pouco na possibilidade -e é por isso que eu nunca aceitaria fazer o teste do detector de mentiras, não porque
eu minta, mas porque acho
possíveis coisas demais".
A força do romance, um painel ambicioso da classe média
dos EUA, decorre em grande
medida de um calculado descompasso entre o que é contado (e quem está contando) e
uma mistura arriscada e bem-sucedida de tons solenes e irônicos que a prosa adquire neste
autor pertencente à rica família
do realismo norte-americano:
"Digo a mim mesmo, e digo a
sério, ainda que eu achasse que
já dizia todo dia e já a sério: "Esta é a merda que eu sou! Minha
vida é assim -admitindo, como
fiz, que vergonha e que desastre
seria se, depois de virar pó, eu e
o mundo discordássemos
quanto a isso"."
ADRIANO SCHWARTZ é professor de literatura
da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da
Universidade de São Paulo.
O SAL DA TERRA
Autora: Richard Ford
Editora: Record
Tradução: Maria Beatriz Medina
Quanto: R$ 69,90 (602 págs.)
Avaliação: bom
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