São Paulo, sexta-feira, 12 de outubro de 2001

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

RETROSPECTIVA

Mostra do italiano vai até quinta, em dois cinemas de SP

Francesco Rosi narra sua busca pela verdade

FRANCESCA ANGIOLILLO
DA REPORTAGEM LOCAL

Ele busca a verdade.
Ao menos é o que conclui o cineasta italiano Francesco Rosi, 78, ao desenrolar o fio que une o conjunto de seus 17 filmes. Deles, 16 têm cópias novas, que serão exibidas entre hoje e quinta, no Belas Artes, em São Paulo (faltou só "Armadilhas de Poder", de 91).
A mostra "Bravo, Rosi!", montada inicialmente para o Festival do Rio BR 2001, encerrado na segunda passada, permite acompanhar os diversos temas que o realizador pôs sob sua lente, em sua tentativa de flagrar a realidade.
O programa vai da Máfia de "O Bandido Giuliano" à corrupção da indústria da construção civil de "Mãos sobre a Cidade", passando por uma "terrena" fábula napolitana ("Felizes para Sempre") e por adaptações de romances que, é Rosi quem confessa, gostaria de escrever se não contasse suas histórias nas telas de cinema.
Rosi, que costuma dizer que não é sociólogo nem jornalista, mas um narrador, voltou-se sobre sua própria obra em entrevista à Folha, por telefone, de Roma. A seguir, os melhores trechos.

Folha - O que representa para o sr. a homenagem prestada pela mostra "Bravo, Rosi!"?
Francesco Rosi -
É um grande prazer, porque sei que há filmes que nunca foram exibidos no Brasil e agora poderão ser conhecidos. A coisa importante é não só fazer os filmes, mas que sejam vistos pelo máximo de pessoas.

Folha - Sua obra abrange temas diversos. O que lhe dá união?
Rosi -
O que há em comum é o testemunho da história do meu país: o cinema documenta a realidade da qual tira sua inspiração. Esse é o fio que une todos.

Folha - Algumas vezes, porém, o sr. adaptou livros, até uma ópera, nem sempre italianos. Por que escolhe um ou outro caminho?
Rosi -
A escolha depende. Os filmes que tirei de livros vêm de livros cujos argumentos sempre me interessaram. Posso dizer, sem presunção de minha parte, que fiz filmes de livros que, se fosse escritor, gostaria de ter criado.

Folha - Como "Felizes para Sempre" se insere em tal conjunto?
Rosi -
É uma fábula napolitana, mas seu autor, dos anos 1600, Giovanni Battista Basile, escreveu fábulas realistas. Enquanto as fábulas nórdicas levam a uma evasão da realidade, cheias de gnomos, elfos, nas fábulas meridionais, o máximo com que se sonha é um belo prato de comida, um almoço: são sonhos terrenos.

Folha - O sr. tem um "modus operandi", uma metodologia que repita sempre?
Rosi -
A metodologia é sugerida pela história do filme. Posso dizer que, como faço filmes realistas, adotei como método geral manter-me ligado à realidade, interpretando-a, mas sem alterá-la para torná-la mais cinematográfica. Quando escolho temas da história real de meu país, procuro ter rigor, respeito pelos fatos.

Folha - O sr. busca a verdade?
Rosi -
Eu trabalho a realidade para me aproximar da verdade. Mas não tenho certeza de que um filme realista chegue a ela. Muitas vezes a verdade fica escondida pelo poder de modo muito hábil , tanto que alguns dos mistérios que contei ainda estão na escuridão, como em "O Bandido Giuliano" ou "O Caso Mattei".

Folha - "O Bandido Giuliano" ficou de fora de Veneza porque foi visto como documentário.
Rosi -
Acho que foi uma desculpa para não lidar com um filme incômodo. Quando meu filme saiu, quase não se falava da Máfia. Não se havia ainda, no cinema, falado abertamente de cumplicidade entre Máfia e instituições.

Folha - Já se sentiu censurado?
Rosi -
Para fazer certos filmes, é preciso saber como mover-se, para evitar obstáculos. Quando fiz "O Bandido Giuliano", a primeira coisa que fiz foi ir a Montelepre, onde ele nasceu e viveu, e dizer aos cidadãos: "Venho filmar sob seus olhos para respeitar ao máximo a verdade". E quase todos eram não-profissionais, camponeses, atores improvisados. Isso deu ao filme aquele sabor de forte verismo que fez com que Veneza o chamasse de documentário.

Folha - Usar desconhecidos faz os personagens mais críveis?
Rosi -
Há filmes que precisam ser contados por atores. Outros não. Por exemplo, a senhora que faz a mãe de Salvatore Giuliano tinha tidos muitos filhos, um dos quais tinha uma história semelhante à de Giuliano. Como escolhi camponeses verdadeiros, personagens reais da região, teria sido difícil inserir naquele método uma atriz, ainda que talentosa.

Folha - Um cineasta deve se concentrar em sua cultura?
Rosi -
Eu creio que sim. Mas sem nunca perder de vista a universalidade. Um problema que interessa ao mundo perde sua origem.

Folha - E como o cinema italiano de hoje tem tratado deles?
Rosi -
Nos últimos anos houve um certo despertar, de novo, para os temas da sociedade. Mas insisto: no centro, deve estar o homem, com seus pensamentos, seus sonhos. Senão, fica árido.


Texto Anterior: Crítica: Del Toro tem a mão pesada
Próximo Texto: Frase
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.