São Paulo, sexta-feira, 12 de outubro de 2001

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TV

Com linguagem inovadora, novela das sete não tem a audiência esperada, enquanto o melodrama "O Clone" supera expectativa

"Filhas" esbarra em público conservador

DANIEL CASTRO
COLUNISTA DA FOLHA

LAURA MATTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Fernanda Montenegro e um elenco com os maiores salários da teledramaturgia brasileira ainda não conseguiram dar a "Filhas da Mãe" a audiência esperada.
Com a proposta de uma linguagem inovadora, em que atores falam diretamente para a câmera e o rap ajuda a contar a história, a novela das sete da Globo tem esbarrado, entre outros obstáculos, na dificuldade que o telespectador tem de aceitar mudanças.
O autor, Silvio de Abreu, e a direção da Globo sabem que não é fácil abandonar o consagrado melodrama. "O Clone", por exemplo, que usa a tradicional linguagem de folhetim, tem superado a expectativa da emissora, com média de 43 pontos nos oito primeiros capítulos.
"Televisão é hábito. Sempre que o telespectador vê algo inovador, precisa de um tempo para assimilar a nova linguagem", diz Abreu.
"Filhas da Mãe", nas quatro primeiras semanas, teve média de 30 pontos no Ibope, contra 16 do SBT, que traz a novela mexicana "Carinha de Anjo". A trama das sete da Globo chegou a ter a mesma audiência que "Malhação". "Um Anjo Caiu do Céu", a antecessora, teve, no primeiro mês, média de 34, contra 10 do SBT.
"Filhas da Mãe" enfrenta também o racionamento de energia, o baixo ibope da novela das seis, "A Padroeira", e o crescimento da audiência das tramas mexicanas infantis que o SBT exibe no horário. Mas a rejeição do público a algumas inovações que a novela traz, como a condução da narrativa e o rap, ficou clara depois de uma discussão de grupo feita com telespectadores pela Globo.
"Sempre foi difícil mudar a linguagem na TV. Hoje, da maneira como a concorrência é colocada, num mundo mais capitalista, fica ainda mais complicado. Mas é necessário que se arrisque, senão ainda estaríamos na era das novelas de Glória Magadan [cubana, autora das primeiras novelas brasileiras"", diz Mauro Alencar, doutorando em novela da Universidade de São Paulo.
Raul Cortez, o Arthur da trama, diz que "é uma pena que o público se assuste com o novo". Ele afirma que seu personagem em breve viverá um romance com Lulu, interpretada por Fernanda Montenegro. "Isso já estava previsto. Mas acho que pode estar sendo antecipado em resposta a pedidos do telespectador", diz.
Silvio de Abreu afirma que não pretende mudar o rumo da novela como resposta ao que foi dito no grupo de discussão. "Pesquisas são interessantes, mas não substituem o "feeling" do autor e do diretor. É nossa responsabilidade como criadores identificar os desejos e anseios do público e buscar atendê-los. Um grupo de discussão é capaz de levantar algumas indicações, mas não determina direções a serem tomadas."
O autor acredita que a dificuldade da inovação seja superada no desenvolvimento da trama e que a audiência vai subir. "A fórmula consagrada é a do melodrama. O humor necessariamente precisa trazer uma nova proposta e, via de regra, uma nova linguagem. Foi assim, por exemplo, com "Guerra dos Sexos", em 1983, e com "Deus nos Acuda", em 1992, que também foram recebidas com estranheza a princípio. Não tenho dúvidas [de que a audiência vai melhorar". Já estou bem acostumado com isso", afirma Abreu.
Com o que viu nas pesquisas, o autor acredita que o público nem sempre seja conservador. "O que dizer do inusitado romance entre Ramona (Cláudia Raia) [transexual" e Leonardo (Alexandre Borges), que é encarado com a maior naturalidade pelas conservadoras donas-de-casa? Acho que estamos no caminho correto e não pretendo me desviar."


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