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CARLOS HEITOR CONY
A mão do homem e o medo da moça
Siga em frente e não olhe para trás. Não é uma ordem,
nem mesmo um conselho. É um
pedido, quase uma súplica. Não,
o homem não está desesperado.
Tem apenas a fadiga do tempo,
tragando com sua boca medonha
o nada, o nada que o próprio tempo cria, alimenta e consome.
Quando era criança (o homem
foi criança sem saber que um dia
se transformaria em homem), ele
imaginava o tempo parado, como
uma nuvem bojuda e branca que
não saía do lugar, parecendo
imóvel e imensa no céu.
Esquecia a nuvem e, quando
olhava novamente para cima,
não havia mais nuvem, ou havia
outra no lugar da primeira. Era
um novo tempo que nada tinha a
ver com o tempo anterior. Olhar
as nuvens era uma distração e, ao
mesmo tempo, uma advertência.
Todas se parecem e são desiguais.
Dentro delas não há nada, como
nada há dentro do tempo.
A criança cresceu, como a nuvem mudou muito, mudou tudo,
mas continuou o mesmo. Só que
não olhava mais para as nuvens,
elas não o distraíam. E isso de ficar olhando nuvem poderia parecer uma fuga idiota, missão sem
sentido, embora nenhuma missão tivesse sentido para o homem.
Foi então que ela apareceu
-não a nuvem, mas a moça que,
sentada a seu lado no avião, de
repente tremeu e disse que tinha
medo, o aparelho enfrentava
uma turbulência, mergulhara
numa nuvem feita de nada, e tudo tremia, a moça tremia e segurava com força os braços da poltrona, na ilusão de que estaria
salva. Uma vibração maior, o
avião pareceu cair alguns metros,
uma passageira lá atrás não conseguiu evitar um começo de grito.
A moça pareceu aliviada porque outra pessoa tivera a lucidez
de gritar e ela não, mas continuava a tremer e, quando a turbulência aumentou, procurou a mão
do homem, que desde o início da
viagem parecia dormir, alienado
e poderoso a seu lado.
O homem compreendeu, apertou a mão da moça e disse apenas: ""Não tenha medo. É apenas
uma nuvem".
Não adiantou. A moça segurou
a mão do homem com força, perguntou se a turbulência ia demorar muito -e o homem nem precisou responder, o avião acabara
de varar a nuvem e mergulhara
na luz dourada que descia do céu
novamente azul.
Ela suspirou, largou a mão do
homem, não estava envergonhada do medo, mas aliviada de não
precisar mais daquela mão e daquele homem ali ao lado. Mesmo
assim, depois de um instante em
que olhou pela janela e viu que
não havia mais nuvens no céu,
achou conveniente agradecer:
""Obrigada".
O restante da viagem foi tranquilo. A moça aceitou um café
que a comissária de bordo serviu.
O homem voltou a fechar os
olhos, aparentemente dormindo
ou tentando dormir. A moça
apreciou o sono do homem. Seria
pior se, após a turbulência, após
agarrar aquela mão que a protegeu tão precariamente, ele aproveitasse o incidente para dizer
coisas. De olhos fechados, ele parecia ter esquecido a mão da moça e a própria moça.
O que a incomodava era justamente isso: ela não conseguia esquecer a mão do homem. Podia
observá-la livremente, de olhos fechados ele não perceberia que ela
examinava sua mão.
Mão que nem era bonita, pequena demais, dedos um pouco
curtos e tortos, e foi aí que a moça
suspeitou que o homem era bem
mais velho do que ela, tinha a
mesma mão de seu pai, tinha a
mesma mão dos homens mais velhos. Até mesmo as manchas escuras e as veias um pouco murchas, pelas quais corre um sangue
fatigado e triste.
A moça tentava esquecer a mão
do homem, mas não conseguia.
Descobriu que estava com vontade de segurar aquela mão novamente, mesmo sem turbulência,
sem nuvem afogando o avião e
obrigando-o a tremer.
O comandante avisou que iniciava o procedimento de pouso.
As condições do aeroporto eram
boas, temperatura moderada,
mais dez minutos e a viagem chegaria ao fim.
Dez minutos não são dez anos.
Mas também não são dez segundos. Pode-se fazer muita coisa em
dez minutos. Na véspera, ela acabara de ler ""O Vermelho e o Negro", de Stendhal. Condenado à
morte, Julien Sorel diz à mulher
que o pouco tempo de vida que
ainda lhe resta é muito para que
eles possam ser felizes.
A moça segurou a mão do homem. Foi tão repentino, tão inesperado e, ao mesmo tempo, tão
inevitável, que o homem nem
abriu os olhos, continuou dormindo ou fingindo dormir. A moça pegou a mão do homem, a
mão cansada do homem.
Não sabia o que fazer com
aquela mão em sua mão. Pensou
em beijá-la, seria ridículo, sentimental, cafona. Olhou em torno,
os passageiros estavam entregues
a si mesmos, ninguém se preocupava com ninguém.
Então a moça colocou a mão do
homem no seio esquerdo dela.
Todos elogiavam os seus seios,
eram realmente bonitos, grandes,
como estavam em moda, e assustados, porque o seu peito havia
experimentado o medo. O homem não tirou a mão do seio dela. Quando os demais passageiros
se levantaram, a moça hesitou se
devia esperar pelo homem que
afagara o seu medo e o seu seio.
De olhos fechados, o homem
disse baixinho: ""Siga em frente e
não olhe para trás".
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