São Paulo, sábado, 12 de outubro de 2002

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Ensaísta comenta eleição no Brasil e fala de livro em que defende que cultura define o "progresso" da humanidade

A receita do sucesso por Samuel Huntington

SYLVIA COLOMBO
EDITORA-ADJUNTA DA ILUSTRADA

"Lula conseguiu os 50%?", perguntou um ansioso Samuel P. Huntington ao telefone, mal havia começado a entrevista que deu, na última segunda -um dia depois do primeiro turno das eleições no Brasil-, à Folha.
Para o cientista político norte-americano da Universidade Harvard, o presidenciável petista, caso eleito, terá de reafirmar sua popularidade por meio de ações imediatas. "Se Lula se eleger, isso vai energizar a sociedade brasileira. Mas a identificação popular com seu governo só irá se definir mesmo com as atitudes que ele tomar assim que assumir. Senão, pode seguir o exemplo desastroso do..., como é mesmo o nome do venezuelano?" "Hugo Chávez." "Isso mesmo, Chávez, que chegou ao poder com o mesmo tipo de apoio e armou uma grande bagunça."
Huntington lança agora no Brasil "A Cultura Importa", coletânea de artigos que investiga o impacto da cultura no desenvolvimento econômico e político das sociedades. O livro surgiu a partir de um seminário organizado em 1999 pelo também cientista político Lawrence E. Harrison em Harvard e que reuniu, entre outros, Carlos Alberto Montaner, Jeffrey Sachs, Francis Fukuyama, David Landes e o próprio Samuel Huntington.
Por desenvolvimento econômico, leia-se, pela cartilha de grande parte dos autores, liberalização de mercados e privatizações e, no plano político, a adesão à democracia nos moldes ocidentais.
Em sua introdução, Huntington chama a atenção para o fato de, nos anos 60, Gana e Coréia do Sul terem economias muito semelhantes e, hoje, estarem em estágios muito diferentes de progresso material, com o segundo país tendo atingido o Primeiro Mundo em menos de quatro décadas.
Para o ensaísta, isso se deve, antes de tudo, a uma questão cultural. "Os sul-coreanos valorizavam a frugalidade, o investimento, o trabalho, a educação, a organização e a disciplina. Os ganenses tinham valores diferentes."
Para Huntington e Harrison, a urgência de entender o impacto da cultura na economia mundial tem origem num contexto criado a partir da Segunda Guerra. Logo depois do conflito, houve um período de muito otimismo em relação a um desenvolvimento tido como "inevitável", reforçado nos anos 60 com o fim das últimas colônias. A recuperação da Europa Ocidental e do Japão era prova concreta disso, e a América Latina deveria seguir o caminho do progresso político e material em menos de uma década.
Seguiu-se, entretanto, uma grande decepção, pois poucos países teriam atingido o patamar esperado. A América Latina ainda se apresentava como um mistério por ter empacado no caminho.
O que explicaria o sucesso de uns e o fracasso de tantos? A idéia de que a cultura ofereceria elementos para esclarecer o enigma tomou força nos anos 80, depois do predomínio de explicações de origem marxista que apresentavam o colonialismo e a dependência como justificativas para a pobreza de parte do planeta.
Para Harrison e Huntington, tanto o colonialismo como a dependência caducaram e já não dão mais conta do problema. "A Cultura Importa" é uma resposta a isso, na carona do polêmico "Underdevelopment Is a State of Mind - The Latin American Case (O Subdesenvolvimento É um Estado de Espírito - O Caso Latino-Americano), lançado por Harrison nos anos 80 e que causou enfurecidos protestos no meio acadêmico latino-americano.
Para este continente, os autores acreditam que a saída está na mudança da cultura política. E como transformá-la? Huntington não hesita na resposta: "Ou a América Latina atravessa uma grande catástrofe e aprende um novo rumo, como fizeram os países que perderam a Segunda Guerra, ou tem de surgir um líder que supere as forças da tradição da sociedade".


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