São Paulo, sábado, 12 de outubro de 2002

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O cineasta declara sua paixão pelo país ao falar sobre seu novo filme

Almodóvar se veste de Brasil

Divulgação
Cena de "Fale com Ela", do diretor Pedro Almodóvar


SÉRGIO DÁVILA
DE NOVA YORK

Se a música de Antonio Carlos Jobim fosse uma roupa, esta seria a roupa que melhor vestiria o último filme de Pedro Almodóvar. O mais criativo cineasta espanhol em atividade, autor de "Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos" e "Ata-Me!", está em Manhattan para encerrar o festival de Cinema de Nova York, amanhã, com o excelente "Fale com Ela".
Seu mais recente filme, que estréia no Brasil no dia 1º de novembro, é uma poderosa história da amizade entre dois homens, forjada numa situação tipicamente almodovariana e que marca uma volta das lentes do diretor para o universo masculino, após anos se dedicando às mulheres.
Benigno (Javier Cámara) é um rapaz aparentemente assexuado que vidra numa bailarina, Alicia (Leonor Watling). Obcecado, consegue emprego de enfermeiro na clínica a que a garota é levada depois de sofrer um desastre automobilístico e entrar em coma.
Ali, conhece o jornalista argentino Marco (Darío Grandinetti), cuja namorada, a toureira Lydia (Rosario Flores), acaba de também entrar em coma depois de ser atingida numa tourada. Os dois ficarão amigos, numa trama com direito a um animal quase esquartejado vivo, um estupro e até uma vagina gigante.
E muita música brasileira.
Caetano Veloso aparece cantando "Cucurrucucú Paloma", durante uma festa à qual Lydia vai com Marco, e este se emociona ao ouvir a canção. Depois, é a vez de Elis Regina comparecer na trilha com a triste "Por Toda a Minha Vida", de Vinicius de Moraes e Tom Jobim.
Pedro Almodovar, 51, respondia a uma pergunta da Folha anteontem quando desandou a falar de MPB, Caetano, Jobim e até Iemanjá. Leia a seguir:
 

TOM JOBIM - "Se "Fale com Ela" fosse uma mulher e alguém a perguntasse qual a roupa que lhe cai melhor, ela diria que é Tom Jobim. Principalmente o Jobim mais triste, quando as letras são de Vinicius. Escutei muito os dois enquanto estava escrevendo o roteiro. Era como se fossem o fundo musical ideal do que eu estava fazendo, então decidi que seriam o fundo ideal também para o filme. E o filme, para mim, tem esta leveza e esta emoção que tem a música de Jobim. Ambos são um pouco aéreos e etéreos, nos levantam da superfície da Terra."

CAETANO VELOSO - "Quando trouxemos Caetano para cantar "Cucurrucucú" no filme, eu estava praticamente obrigando o personagem (Marco) e o ator (Darío Grandinetti) a que se emocionassem. Darío não sabia, então armamos tudo e a surpresa fez com que o personagem e o ator chorassem. A música brasileira me interessa cada vez mais, conforme vou conhecendo mais o Brasil e vou mais à casa de Caetano. Nos últimos anos, fui muitas vezes e sempre estive escrevendo. Escrevi "Tudo sobre Minha Mãe" na casa dele e parte de "Fale com Ela" em sua casa da Bahia, que é onde eu mais gosto de ficar. A nossa relação cresceu muito, pois ele me abriu as portas a um país que ainda não conheço, mas que me excita muito, em muitos sentidos."

IEMANJÁ - "É uma amiga minha. Adoro, principalmente porque passei algumas viradas de ano no Brasil, às vezes na Bahia, às vezes no Rio de Janeiro. Então, adoro o fato de as pessoas lançarem flores ao mar e esperarem que as ondas as levem a Iemanjá e com elas os seus desejos. Você sabe que, se as flores entram no mar e Iemanjá as devolve, ela cumpre seus pedidos?"

PEDIDOS - "Eu, quando faço pedidos, não me conformo com um, nem com dois, nem com três. Eu peço para as estrelas, jogo moedas na Fontana di Trevi, tudo o que dá a possibilidade. Por exemplo, meu primeiro pedido é dinheiro. Assim, peço que meu filme faça sucesso, que as pessoas entendam. Depois peço pela saúde, pois não quero trabalhar com dor. Quero falar de dor em meu trabalho, mas sem sentir. Peço também pela minha vida privada, ainda que não vamos falar dela. Peço que meu coração siga tendo motivos de alegria e de preocupação. Peço também que meus próximos cinco filmes tenham público e que eu venha a ganhar uns dois ou três César [prêmio francês], três ou quatro David de Donatello [italiano] e algum Oscar. Algum National Board of Review e vários prêmios da crítica de Nova York, de Boston, de Chicago e de Los Angeles, no mínimo. [risos] Tudo isso peço a Iemanjá, que ela me entende. E depois, já que ela é uma mulher bonita, peço também que eu não fique muito deformado fisicamente conforme passe o tempo."


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