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ANÁLISE
É hora de reexaminar, sem "Zélias", valor de sua literatura
HUMBERTO WERNECK
ESPECIAL PARA A FOLHA
Menino precoce que publicou o seu primeiro conto
aos 12 anos de idade, Fernando
Tavares Sabino conheceu muito
cedo a notoriedade. Já era ganhador contumaz de concursos literários ao estrear em livro aos 17,
com os contos de "Os Grilos Não
Cantam Mais". Aos 21, recebeu de
Mario de Andrade, a quem enviara os originais da novela "A Marca", um elogio de grosso calibre:
"Você está escrevendo tão bem
como Machado de Assis!".
Pouco depois, ainda na faixa
dos 20, começou a brilhar na crônica, gênero tipicamente brasileiro do qual viria a ser um dos mestres e renovadores, ao lado de Rubem Braga e Paulo Mendes Campos. Mal entrado nos 30, consagrou-se também como romancista, com aquele que seria o seu livro mais importante, "O Encontro Marcado".
Amado pelos leitores e festejado
pela crítica, inquilino freqüente
das listas de mais vendidos, requisitado o tempo todo para falar de
sua obra, nada indicava que a sorte de Fernando Sabino fosse mudar, como mudou, aos 68 anos.
Entrou em moda desancá-lo
sem maior cerimônia, como escritor mas também como pessoa,
tão logo chegou às livrarias, em
1991, o best-seller "Zélia, uma Paixão", biografia autorizada de Zélia Cardoso de Mello, ex-ministra
da Economia do governo Collor.
"Mercenário" foi o mínimo que se
disse então de Sabino.
Não faltam defeitos pesados a
"Zélia, uma Paixão". Mal apurado, escrito às pressas e, sobretudo,
parcial, por se tratar de biografia
autorizada, é certamente o momento menos feliz da obra do escritor. Mas não foi por isso que ele
foi tão malhado. Na balança preconceituosa da maioria dos críticos, poucos dos quais terão lido
esse mau livro, pesou mais a escolha da personagem.
"Zélia" confiscou a poupança literária de Fernando. Desde então,
o escritor praticamente desapareceu do circuito. Parou de dar entrevistas. Desistiu das noites de
autógrafos.
Mas não parou de produzir, e
começou a desovar o que, com
bom humor, chamou de "obra
póstuma antecipada". Registrou
em cartório sua vontade de que,
uma vez morto, se publicasse apenas aquilo que ele em vida tivesse
posto em livro.
Nessa cuidadosa limpeza de gaveta vieram a sua correspondência com Clarice Lispector, amiga
de juventude, e as cartas a Mario
de Andrade, além da deliciosa
miscelânea de "Livro Aberto", e,
este ano, do romance inédito
"Movimentos Simulados", que
ele havia escrito aos 22.
Publicou também uma seleta de
suas cartas a Otto Lara Resende,
Paulo Mendes Campos e Helio
Pellegrino - o grupo que Otto
batizou de "os quatro cavaleiros
de um íntimo apocalipse". A reclusão de Sabino, aliás, se explica
também pela morte progressiva
dos amigos: Helio em 88, Paulo
em 91, Otto em 92. Desse quarteto
mitológico, transparente na primeira parte de "O Encontro Marcado", ficou todo um folclore - e
um LP duplo, "Os 4 Mineiros",
gravado em 1980, que já seria hora
de reeditar.
Seria hora, também, de reexaminar, sem Zélias nem paixões, o
que foi a contribuição de Fernando Sabino para a literatura brasileira. Ele pode não estar na prateleira mais alta, habitada por Guimarães Rosa, Machado de Assis e
outros raros exemplos - mas
poucos terão sido, como ele, mestres na arte de contar histórias
curtas. Exercitou-a em mais de
uma dúzia de coletâneas, cujo
ponto alto talvez esteja em "O Homem Nu", de 1960.
Sua prosa sem enfeites, carregada de bom humor, capaz de dizer
muito com um mínimo de meios,
foi, é e continuará sendo uma escola magnífica para quem começa
a escrever ficção ou jornalismo -
além de prazer certo para quem
busca uma boa história.
Há algo ainda melhor nas páginas de "O Encontro Marcado".
Romance de formação e obra-prima de Sabino, o livro atravessou
quase meio século sem perder o
viço e segue falando a sucessivas
gerações.
Humberto Werneck, 58, é jornalista e
escritor, autor do livro "O Desatino da
Rapaziada" (Companhia das Letras) e organizador do volume "Minérios Domados" (Rocco), de Helio Pellegrino
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