São Paulo, terça-feira, 12 de outubro de 2010

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Sacco desenha conflito militar de Israel

Em "Notas sobre Gaza", autor americano reconstitui assassinato de palestinos por Exército israelense em 1956

Quadrinista levou sete anos para concluir o trabalho; pesquisa foi baseada em relatos orais de sobreviventes

DIOGO BERCITO
DE SÃO PAULO

A história recente de Israel é repleta de datas-chave.
Fundado em 1948, o país se recorda de 1967 por conta da Guerra dos Seis Dias, por exemplo, enquanto 1973 marca o deflagrar da Guerra do Yom Kipur.
O premiado quadrinista norte-americano Joe Sacco, 49, no entanto, dedicou o livro "Notas sobre Gaza" (2009) ao ano de 1956, que não costuma aparecer na cronologia dos historiadores.
É a data do assassinato de 275 palestinos em Khan Younis, vila na faixa de Gaza, acontecimento relegado às notas de rodapé da história.
A feitura do livro tomou sete anos de Sacco, que trabalhou motivado pela convicção da importância do acontecimento e pela falta de documentação a respeito dele.
Sacco conduz, em "Notas sobre Gaza", um trabalho de historiador. E conta, afinado com as tendências da historiografia, as histórias dos perdedores vistas a partir de relatos orais.

Folha - Você se vê como um jornalista que faz quadrinhos ou seria o inverso? Joe Sacco - Prefiro me chamar de quadrinista.

Você adicionaria "historiador" a essas categorias? Sim, especialmente nesse livro, que é também uma investigação histórica.

Você estudou historiografia? Eu tenho livros sobre historiografia, mas nunca os li. Fiz as escolhas por intuição. As pessoas ainda estão vivas, então achei que fosse importante conversar com elas. Quando elas morrerem, não haverá registro dos eventos.

Quais são as vantagens dos registros orais? Aquelas pessoas realmente presenciaram os fatos. Estavam lá e podem contar o que aconteceu. Testemunhas podem chegar bem perto da verdade, especialmente se você ouve muitas delas. A desvantagem é que você depende da memória, mas não tenho medo de mostrar contradições. Isso não importa.

Você faz outra escolha de perspectiva, ao contar a história dos vencidos. Por quê? Porque são histórias que não foram contadas. A prova é que esses incidentes não são conhecidos nem por aqueles que pensam que conhecem a história da região.

O livro ajudou a trazer atenção para esses eventos? Alguns dos livros chegaram à Gaza, e as pessoas que leram ficaram satisfeitas com meu trabalho. Mas não acredito que o livro tenha tido qualquer tipo de impacto.

Por que os acontecimentos de 1956 foram esquecidos? Em parte, porque os israelenses não estão interessados em divulgá-los. Além disso, se há coisas ocorrendo no presente, as pessoas têm menos interesse em refletir sobre o que aconteceu. Elas se importam se a casa delas vai ser demolida agora, hoje.

Por que você se interessa por conflitos? Sou atraído por situações em que há sofrimento. É engraçado eu ter de explicar isso. Como um ser humano, tenho empatia por pessoas passando por dificuldades.

Você se desenha, no livro, como um personagem. Por quê? Faço quadrinhos sobre minhas experiências pessoais. A maneira como as pessoas interagiam comigo é uma história também.

Você retrata David Ben-Gurion (1886-1973), herói nacional israelense, como responsável por muitas mortes... Me mostre um herói nacional que não tenha esmagado cabeças. Você pode gostar de Obama, mas continuou a guerra no Afeganistão. Todo o mundo nesse nível de poder tem sangue nas mãos. Ben-Gurion era um líder e ele sabia o que queria -que o Estado israelense fosse forte.


NOTAS SOBRE GAZA
AUTOR Joe Sacco
TRADUÇÃO Alexandre Boide
EDITORA Companhia das Letras
QUANTO R$ 55 (432 págs.)




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