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FESTIVAL MIX BRASIL
Bacon tem ar de gay perverso em "Love Is the Devil"
ALVARO MACHADO
especial para a Folha
Francis Bacon (1909-1992), o
maior pintor britânico do século,
teria gostado de assistir a "Love Is
the Devil", que transpõe para a telona os dias mais fulgurantes de
sua existência, nos anos 60 e início
dos 70. Isso porque, segundo o
que o próprio filme mostra e as
más línguas confirmam, o artista
se deliciava com lauréis e prazeres
mundanos tanto quanto amava se
entregar a sua obra.
Ao mesmo tempo, é provável
que Bacon odiasse esse primeiro
longa-metragem do diretor londrino John Maybury. Não por ele
ter sido retratado, na maior parte
do tempo, como um gay perverso. Isso talvez não o irritasse, pois
o cultivo de virtudes nunca foi seu
forte, como mostra a situação
central do filme, verídica. Nela,
um ladrão invade a casa do pintor
e é convidado por ele, numa conversa tilintante, a compartilhar
um leito ainda quente. O larápio
ocasional era o pugilista amador
George Dyer, que se tornou sucessivamente amante, modelo,
muso e capacho do artista.
Não é difícil imaginar o que Bacon teria detestado no filme: o
kitsch, que se aninha na tentativa
da fotografia de imitar formas e
estilo do pintor por lentes deformantes, de espelhamentos que simulam dípticos e trípticos baconianos e outros quetais. Nessa parafernália que pretende substituir
as telas expressionistas, somente
as alusões à luz e à paleta do pintor são justificáveis.
A paródia fotográfica é ecoada
pelo roteiro maniqueísta, que se
contenta com a face deletéria do
protagonista. Verdadeiros artistas não costumam ter comportamento edificante, reza a história.
Gênios perseguem um conceito
artístico e ignoram, ou desprezam, tudo o mais; ou, em sua ânsia de reconhecimento, tornam-se monstros. Seria prudente lembrar, contudo, que o atormentado
dublinense prestava-se também a
longas e didáticas entrevistas.
"Love Is the Devil" prefere deleitar-se na titilação da crueldade,
com Bacon se masturbando diante de "O Encouraçado Potenkim";
Bacon vibrando quando o sangue
de um boxeador atinge seu rosto.
Melhor esquecer de que se trata,
supostamente, da personalidade
de um dos maiores pintores contemporâneos e assistir ao espetáculo de uma densa relação sadomasoquista, em que o fardo da
submissão oscila do pólo do
amante mais velho para o do rapagão forte, mas de caráter frágil.
Fácil embarcar, já que "Love" oferece as interpretações memoráveis de Derek Jacobi (Bacon) e
Daniel Craig (Dyer). O primeiro
desferindo raios frios das pupilas,
e o segundo se desmontando sob
tortura psicológica e droga.
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