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MEMÓRIA
Morre Ken Kesey, o condutor da contracultura
CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL
Jack Kerouac talvez tenha
despejado os primeiros quilos
de asfalto, mas o autor de "On the
Road" não viveria para ver onde
levariam as estradas da contracultura. Foi-se em outubro de 1969,
com alucinações de Woodstock,
de agosto daquele ano, ainda sobrevoando território americano.
Ninguém pode precisar quem
terminou a pavimentação, talvez
porque a estrada da contracultura
tenha se perdido no meio de suas
pistas vicinais. Mas poucos dos
que pegaram esses caminhos negariam que o grande mestre-de-obras se chamava Ken Kesey.
Chamava-se. Kesey morreu no
sábado passado. "Morreu pacificamente no seu sono, com a família ao lado", como descreveu a enfermeira-chefe do hospital de Eugene (Oregon, EUA), onde ele lutava contra um câncer no fígado.
O escritor, que cumpria a rota
dos 66 anos, não era o último passageiro. Depois que Gregory Corso se foi no início de 2001, Lawrence Ferlinghetti, 82, carrega
pelas ruas de San Francisco o rótulo de "o último beatnik" .
Mas se Ferlinghetti já permanecia como o remanescente da geração beat, Kesey era a testemunha
da passagem do sexo, cocaína e
jazz, dos beatniks, para o sexo,
LSD e rock'n'roll dos hippies.
Ele mesmo começou a construção dessa ponte. Em 1957, enquanto Kerouac lançava seu "On
the Road", Kesey se alistava para
receber os US$ 75 que a CIA pagava a estudantes de Stanford para
participar de experiências com o
pouco conhecido LSD.
Do LSD, ele iria ao hospício. Por
conta própria. Inscreveu-se, em
troca de mais experiências (e dólares), para ser monitor de uma
instituição mental em San Francisco. Ali achou o substrato de seu
romance "One Flew Over the
Cuckoo's Nest" ("Um Estranho
no Ninho", incrivelmente não
disponível em português), de 62.
O livro fez sucesso nas livrarias,
no teatro e explodiu quando Milos Forman o levou ao cinema em
1975 e tirou do ninho os cinco Oscar principais, incluído o de ator,
ao melhor Jack Nicholson.
Quando escreveu seu segundo
romance, em 64, Kesey foi convocado a autografar em Nova York.
Juntou um bando de amigos e um
belo farnel de LSD diluído em suco de laranja, comprou um ônibus escolar feito em 1939, batizado de Adiante (Further), e foi.
Narrada por Tom Wolfe em "O
Teste do Ácido do Refresco Elétrico", essa viagem seria para a contracultura o que a jornada de Ulisses a Ítaca fora para a civilização
clássica. Nesse ônibus que viajou
EUA adentro fazendo testes com
LSD ao som de Grateful Dead, Kesey germinou alguns dos maiores
pesadelos para o "sonho americano". Ken Kesey morreu quando
outro sonho começava a nascer.
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