São Paulo, sexta-feira, 12 de novembro de 2004

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POPLOAD

Tudo ou Nada Surf

LÚCIO RIBEIRO
COLUNISTA DA FOLHA

Muita gente (nova, principalmente) deve saber bem quais são as cores dos discos do Weezer ou com quantas músicas os Strokes sacudiram o rock, mas devem rebolar na hora de mostrar conhecimentos pop sobre a banda Nada Surf, que se apresenta amanhã no bar Urbano, dentro do festival Resfest.
O Nada Surf, cujo maior feito dos últimos tempos foi cravar uma musiquinha (cover, ainda por cima) na segunda trilha sonora do descolado seriado "O.C.", era para ser tão popular quanto o Weezer ou tão referência nova-iorquina quanto os Strokes, não tivesse sofrido um acidente temporal e geográfico.
Em meados dos 90, enquanto o rock ianque superava a ressaca grunge e tirava o luto de Cobain, o Nada Surf surgia à cena como a parte nova-iorquina de uma certa renascença indie americana, que passava a dar atenção maior a grupos como Weezer, Pavement e Flaming Lips.
"Eu não sei como aconteceu. Éramos uma banda bem subterrânea e de repente estávamos em primeiro lugar nas college radios, nas capas de revistas e até na televisão", disse a este colunista, em entrevista de Nova York, o guitarrista e vocalista do Nada Surf, Matthews Caws.
Caws sabe, sim, o que aconteceu. Foi quando eles lançaram o álbum "High/Low", que continha a faixa três, "Popular", a canção que transformou a bandinha obscura em... popular (ai!).
O disco inteiro era bom, mas "Popular" fez do Nada Surf um grupo-de-um-hit-só, diferentemente e igualmente como aconteceu com os Strokes e "Last Nite", alguns anos depois, no mesmo lugar, do mesmo jeito, mas não na mesma hora.
"Popular" chapou a geração geek americana pré-Napster. A música era um manual de sobrevivência teen dentro do infernal, terrível, impiedoso, cruel universo do mundo escolar. Procure namorar o brotinho do colégio. Na universidade, faça uma brodagem com os caras do futebol. Pareça interessado diante dos professores. E não chegue às rodinhas com os cabelos oleosos, por falta de água. Pega bem mal.
A música era manjadaça. Agridoce, lentinha e de refrão barulhento, seguia a fórmula Weezer. "Eu sou o líder da classe. Sou o quarterback. Sou a estrela das festas. Tenho o meu próprio carro. Sou o queridinho dos professores. Eu sou popular."
Mas o guia do cara popular, irônico, falou direto aos corações sofridos da geração de óculos e caseira que estava moldando a internet. Segundo Caws, a música nem é tão pedida assim mais, hoje em dia, quando o Nada Surf se apresenta ao vivo.
"Ela foi um fenômeno geográfico. Virou um hino que abriu portas para nós, mas foi muito mais importante fora do que dentro do rock americano. Bem, claro, ainda temos que tocá-la", diz.
O Nada Surf, por algum fenômeno que não consumiu bandas como Weezer e Strokes, definhou depois de "Popular". Voltou para o underground do underground, ainda que, de acordo com Caws, tem suas músicas executadas mais nas college radios hoje do que na época da fama rápida.
O Nada Surf a ser visto, este da época impopular, é a grande faceta paralela do rock americano da era pós-Nirvana. Num mundo espelhado e torto, se você é ligado tanto em história da música tanto como na música em si, conferir um show do Nada Surf agora é tão importante quanto presenciar um show dos Strokes. Pelo menos no aspecto bizarro.

lucio@uol.com.br


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