São Paulo, sábado, 12 de novembro de 2005

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O ANO CAPOTE

Lançado pela primeira vez em 1958, romance marca a estréia e o auge do autor de "A Sangue Frio" na ficção

"Bonequinha de Luxo" mantém seu encanto

DA REPORTAGEM LOCAL

"Holly Golightly c'est moi!" Não consta que Truman Capote tenha dito isso de sua criação feminina mais conhecida e celebrada, personagem principal de "Bonequinha de Luxo", como respondeu Gustave Flaubert (1821-1880) à pergunta de quem, afinal, tinha inspirado seu "Madame Bovary" ("Madame Bovary sou eu!", disse o francês, em francês).
Mas bem que poderia ter dito, concluiu a resenhista Mossly Haskell depois de ler uma biografia do escritor norte-americano. É verdade: a história de uma menina de 18 anos do Sul dos Estados Unidos que vai parar em Nova York como uma requintada garota de programa poderia bem ser a do próprio Truman Capote.
Só que estamos em 1958, tamanha exposição não é razoável, então o escritor de verdade se "coloca" como o escritor anônimo do livro, que começa a narrativa se lembrando da história de sua amiga desaparecida, uma mulher decidida que visitava a joalheria Tiffany's da 5ª Avenida toda vez que se sentia muito deprimida.
Holly Golightly é o nome dela (na verdade, Lulamae Barnes), e movimentada será sua história: ela se apaixonará, se decepcionará, se envolverá com um mafioso, mostrará traços bissexuais e acabará tentando se arrumar com um político brasileiro com ambições, sobre quem ela dirá uma frase profética. "Ser presidente do Brasil: que coisa mais inútil um homem pode querer!", falará.
Mas é outra frase que entrará para a história: "Ainda quero ser eu mesma quando acordar numa bela manhã para tomar café da manhã na Tiffany's", sonha Holly -daí o título original do livro, "Breakfast at Tiffany's".
Quando saiu, a obra foi festejado, e seu autor, idem. A revista "Time" disse que Holly era um dos personagens femininos mais fortes já escritos, uma Lolita mais crescida. Capote finalmente mostrava a que vinha, depois de ter lançado, aos 24 anos, o romance gótico "Other Voices Other Rooms", que chocou por outro motivo: na contracapa estava ele, impossivelmente loiro e lânguido, estendido sobre um divã.
De certa maneira, no entanto, seria a estréia, o auge e o fim de Capote como ficcionista do primeiro time. Antes e depois de "Bonequinha", ele não faria mais nada que tivesse a mesma qualidade. (O mesmo ocorreria com "A Sangue Frio" para o Capote jornalista; em ambos os casos, ele viveria mais do que a obra.)

Mais três contos
Inspirada pela conformação original de 1958, "Breakfast at Tiffany's - A Short Novel and Three Stories", a Companhia das Letras também juntou ao "pequeno romance" três contos conhecidos de Capote, "Uma Casa de Flores", "Um Violão de Diamante" e "Memória de Natal", que sucedem o programa principal nessa ordem.
O primeiro, "The House of Flowers" no original, escrito em 1951 para a revista "Mademoiselle", serviu de base para a primeira incursão de Capote na Broadway. Três anos depois da publicação, viraria o libreto de um musical, com melodia de Harold Arlen, que seria um fracasso tanto na montagem original quanto na de 1968, agora já off-Broadway.
É a história da prostituta Otille, que trabalha no bordel Champs Elysées, em Porto Príncipe, no Haiti. De certa maneira, é um pré-"Bonequinha de Luxo", mas em versão caribenha e piorada.
O terceiro e que encerra o livro é o autobiográfico "A Christmas Memory", no original, de 1956, talvez um dos melhores e mais conhecidos contos de Capote, em que ele se lembra com carinho e melancolia de sua infância no Sul ao narrar o último Natal que passou ao lado de uma prima sessentona (que ele nunca nomina), pouco antes de ser enviado ao colégio militar, aos oito anos.
Mas é o segundo a jóia da coroa, o gótico sulista "A Diamond Guitar", no original, publicado pela primeira vez na revista "Harper's Bazaar" em 1950. Foi escrito na primavera daquele ano, quando Capote e seu parceiro Jack Dunphy passaram um tempo em Taormina, na costa siciliana.
Mais precisamente, em Fontana Vecchia, a mesma casa onde um dia morou D.H. Lawrence (1885-1930). Pois o espírito do autor de "O Amante de Lady Chatterley" deve ter influenciado e inspirado o jovem Capote. "Um Violão de Diamante" fala do amor platônico entre um assassino de meia-idade e um jovem cubano, detido numa penitenciária no Alabama.
Na mesma estada italiana, ele escreveria "The Bargain" (a barganha), que permaneceu inédito desde então, até que o manuscrito foi descoberto nos arquivos da Biblioteca de Nova York, em setembro de 2004. Logo depois, foi publicado em "The Complete Stories of Truman Capote" (os contos completos de Capote).
Teria sido simpático e não de todo descabido se a Companhia das Letras o tivesse incluído aqui. (SÉRGIO DÁVILA)


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