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O ANO CAPOTE
Lançado pela primeira vez em 1958, romance marca a estréia e o auge do autor de "A Sangue Frio" na ficção
"Bonequinha de Luxo" mantém seu encanto
DA REPORTAGEM LOCAL
"Holly Golightly c'est moi!" Não consta que
Truman Capote tenha dito isso de
sua criação feminina mais conhecida e celebrada, personagem
principal de "Bonequinha de Luxo", como respondeu Gustave
Flaubert (1821-1880) à pergunta
de quem, afinal, tinha inspirado
seu "Madame Bovary" ("Madame Bovary sou eu!", disse o francês, em francês).
Mas bem que poderia ter dito,
concluiu a resenhista Mossly Haskell depois de ler uma biografia
do escritor norte-americano. É
verdade: a história de uma menina de 18 anos do Sul dos Estados
Unidos que vai parar em Nova
York como uma requintada garota de programa poderia bem ser a
do próprio Truman Capote.
Só que estamos em 1958, tamanha exposição não é razoável, então o escritor de verdade se "coloca" como o escritor anônimo do
livro, que começa a narrativa se
lembrando da história de sua
amiga desaparecida, uma mulher
decidida que visitava a joalheria
Tiffany's da 5ª Avenida toda vez
que se sentia muito deprimida.
Holly Golightly é o nome dela
(na verdade, Lulamae Barnes), e
movimentada será sua história:
ela se apaixonará, se decepcionará, se envolverá com um mafioso,
mostrará traços bissexuais e acabará tentando se arrumar com
um político brasileiro com ambições, sobre quem ela dirá uma frase profética. "Ser presidente do
Brasil: que coisa mais inútil um
homem pode querer!", falará.
Mas é outra frase que entrará
para a história: "Ainda quero ser
eu mesma quando acordar numa
bela manhã para tomar café da
manhã na Tiffany's", sonha Holly
-daí o título original do livro,
"Breakfast at Tiffany's".
Quando saiu, a obra foi festejado, e seu autor, idem. A revista
"Time" disse que Holly era um
dos personagens femininos mais
fortes já escritos, uma Lolita mais
crescida. Capote finalmente mostrava a que vinha, depois de ter
lançado, aos 24 anos, o romance
gótico "Other Voices Other
Rooms", que chocou por outro
motivo: na contracapa estava ele,
impossivelmente loiro e lânguido,
estendido sobre um divã.
De certa maneira, no entanto,
seria a estréia, o auge e o fim de
Capote como ficcionista do primeiro time. Antes e depois de
"Bonequinha", ele não faria mais
nada que tivesse a mesma qualidade. (O mesmo ocorreria com
"A Sangue Frio" para o Capote
jornalista; em ambos os casos, ele
viveria mais do que a obra.)
Mais três contos
Inspirada pela conformação
original de 1958, "Breakfast at Tiffany's - A Short Novel and Three
Stories", a Companhia das Letras
também juntou ao "pequeno romance" três contos conhecidos de
Capote, "Uma Casa de Flores",
"Um Violão de Diamante" e "Memória de Natal", que sucedem o
programa principal nessa ordem.
O primeiro, "The House of Flowers" no original, escrito em 1951
para a revista "Mademoiselle",
serviu de base para a primeira incursão de Capote na Broadway.
Três anos depois da publicação,
viraria o libreto de um musical,
com melodia de Harold Arlen,
que seria um fracasso tanto na
montagem original quanto na de
1968, agora já off-Broadway.
É a história da prostituta Otille,
que trabalha no bordel Champs
Elysées, em Porto Príncipe, no
Haiti. De certa maneira, é um pré-"Bonequinha de Luxo", mas em
versão caribenha e piorada.
O terceiro e que encerra o livro é
o autobiográfico "A Christmas
Memory", no original, de 1956,
talvez um dos melhores e mais conhecidos contos de Capote, em
que ele se lembra com carinho e
melancolia de sua infância no Sul
ao narrar o último Natal que passou ao lado de uma prima sessentona (que ele nunca nomina),
pouco antes de ser enviado ao colégio militar, aos oito anos.
Mas é o segundo a jóia da coroa,
o gótico sulista "A Diamond Guitar", no original, publicado pela
primeira vez na revista "Harper's
Bazaar" em 1950. Foi escrito na
primavera daquele ano, quando
Capote e seu parceiro Jack
Dunphy passaram um tempo em
Taormina, na costa siciliana.
Mais precisamente, em Fontana
Vecchia, a mesma casa onde um
dia morou D.H. Lawrence (1885-1930). Pois o espírito do autor de
"O Amante de Lady Chatterley"
deve ter influenciado e inspirado
o jovem Capote. "Um Violão de
Diamante" fala do amor platônico entre um assassino de meia-idade e um jovem cubano, detido
numa penitenciária no Alabama.
Na mesma estada italiana, ele
escreveria "The Bargain" (a barganha), que permaneceu inédito
desde então, até que o manuscrito
foi descoberto nos arquivos da Biblioteca de Nova York, em setembro de 2004. Logo depois, foi publicado em "The Complete Stories of Truman Capote" (os contos completos de Capote).
Teria sido simpático e não de todo descabido se a Companhia das
Letras o tivesse incluído aqui.
(SÉRGIO DÁVILA)
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