São Paulo, sexta-feira, 12 de novembro de 2010

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CARLOS HEITOR CONY

Esquema de salvação nacional


Sempre que eu posso, proclamo minha geral e total ignorância de tudo o que acontece neste mundo


VOLTA E meia, apesar dos meus esforços em contrário, sou assediado por pessoas mal informadas que me pedem conselhos e me consultam sobre problemas não só nacionais como internacionais.
Fico perplexo, pois nada fiz nem faço para este tipo de assédio. Sempre que posso e mesmo quando não devo, proclamo minha geral e total ignorância de tudo o que acontece neste mundo e no outro.
Leitor de Campinas, desesperado com a situação nacional, escreveu-me carta aflita e dramática, apelando para este maledicente escriba no sentido de ser encontrada uma solução para a entaladela pátria.
Não usou o moderno recurso do e-mail, não somente porque não tem meu endereço eletrônico, como acredita mais na letra sobre o tradicional papel. O correto seria responder do mesmo modo, mas tenho preguiça de escrever cartas, daí que minha correspondência é mínima e antiga, creio que há mais de 30 anos não escrevo uma carta.
Pensei em retirar-me à montanha, tal como Zaratustra, Maomé, Moisés e outros salvadores de nações aflitas e de povos oprimidos.
Mas a única coisa parecida com montanha que encontrei foi o morro dos Cabritos, aqui nos fundos da Lagoa onde moro há 30 anos, onde por sinal nunca vi um cabrito, mas a minha cozinheira já viu um disco voador. E ali mesmo, na montanha mais acessível que encontrei, bolei este definitivo esquema de salvação nacional:
Precisamos urgentemente estruturar todos os escalões disponíveis, e, para isso, devemos criar um aparelho destinado à contraofensiva que dará combate aos problemas que nos angustiam.
Há que se criar, com a urgência possível, os seguintes órgãos básicos, independentes de aprovação pelo congresso e pela opinião pública:
1)Uma cúpula
2) Teóricos
3) Analistas
4) Conspiradores
5) Supositórios
A cúpula, como o nome indica, terá a função de cupular, ou seja, de tomar e aprovar as medidas de última instância.
Os teóricos farão teorias, os analistas analisarão e os conspiradores simplesmente conspirarão. Os supositórios farão suposições.
Todos esses elementos farão parte de um Comitê Central, cuja finalidade será centralizar.
Dispondo dessa estrutura básica, há que se apelar para a arraia-miúda, para aqueles que, sem condições de teorizar, analisar, conspirar, ou levantar suposições, serão empregados em tarefas menos nobres, embora mais práticas.
São eles:
1)Os ativistas
2)Os fomentadores
3)Os agitadores
4)E os PPTO
Os ativistas ativarão as atividades, substituindo a militância para a qual Dona Dilma apelou quando teve de disputar o segundo turno.
Os fomentadores fomentarão, não mais a agricultura, para a qual já existe um tradicional fomento que faz parte de todos os programas partidários. Fomentarão simplesmente a fome, a própria e a dos outros, criando condições objetivas previstas nos manuais de guerrilha de todos os tempos.
Os agitadores, além de agitarem os frascos de remédio antes de usar, agitarão. E os PPTO (Pau para Toda Obra) farão o resto.
Este esquema, depois de feito e passado a limpo, surpreendeu o seu próprio autor. Pois se trata de um esquema perfeito que tanto pode ser usado para a direita como para a esquerda, para o centro ou para os lados. Pode principalmente nunca ser usado.
Antigamente havia a Sorbonne, na Praia Vermelha, que usava planilhas parecidas e que deram certo, conseguiram derrubar um governo e instaurar um regime de salvação nacional que durou 21 anos, embora nada tenha salvado.
A diferença é que o meu esquema é grátis, amador, e o da Sorbonne foi pago pelos cofres públicos, e, por conseguinte, profissional, com direito à reserva remunerada e à medalha do pacificador.
Acredito que o leitor de Campinas fique satisfeito com mais este esforço de minha parte. Os tempos estão duros, apesar do Milagre Brasileiro 1, que acabou em 1985, e do Milagre Brasileiro 2 que estamos atravessando, na base do nunca houve neste país tanto e tamanho milagre.
Chamo especial atenção para o primeiro item aí de cima. Não confundir o cupular, de cúpula, com copular, da cópula a que estamos habituados.



AMANHÃ NA ILUSTRADA:
Antonio Cicero



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