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JOÃO PEREIRA COUTINHO
A minha vingança
Meu celular está no fundo do rio Tejo desde o 1º de janeiro, resolução que cumpri nas primeiras horas da madrugada
O NATAL está próximo e eu, em
gesto altruísta, tenciono falar
com os meus leitores. Literalmente. Podem marcar o
+351917363. Só existe um problema:
o meu celular está no fundo do rio
Tejo desde o 1º de janeiro de 2007.
Resolução anual que cumpri nas primeiras horas da madrugada: em estado etílico razoável, parei o carro na
ponte de Lisboa e bati recorde olímpico no lançamento do bicho. Ele
voou como um pássaro ferido e desapareceu nas águas. Telefonem, leitores. Talvez uma sereia os atenda.
Arrependido? Não. Aliviado. Durante um ano inteiro, não fui importunado por chamadas impróprias a
horas impróprias. Não li mensagens
mal pensadas e mal escritas. Os
meus amigos, inicialmente críticos,
passaram a aparecer (fisicamente) e
a conversar (presencialmente). E
não tive de responder à pergunta
mais selvagem da civilização ocidental ("Querido, onde está?").
Melhor: se as estatísticas servem
para alguma coisa -cada adulto utiliza 240 horas de celular por ano- a
poupança não foi apenas econômica. Foi mental. Duzentas e quarenta
horas são dez dias a mais para viver.
Infelizmente, os outros ainda não
seguiram o meus exemplos e eu sou
constantemente agredido por conversas alheias. Quem janta com
quem. Quem dorme com quem.
Quem tem saudades de quem.
E quando não são conversas, são
os toques do aparelho: temas pop;
temas clássicos; temas clássicos em
versão pop; tiros; gritos; risadas. Dizem que o toque de celular é expressão de personalidade. Será? Então
bem-vindos ao manicômio.
Mas por pouco tempo. Cientistas
israelenses descobriram o que eu há
muito esperava: o celular pode provocar câncer. Nas páginas do "American Journal of Epidemiology", foi
pela primeira vez estabelecida uma
ligação séria entre o uso prolongado
do aparelho e alguns tumores nas
glândulas salivares.
E a melhor parte da descoberta é
que os especialistas ouvidos a respeito avisam que o celular não provoca apenas danos no próprio; também pode afetar terceiros: gente
inocente, como eu, e dramaticamente exposta aos campos eletromagnéticos que podem despertar
leucemia ou algum tumor cerebral.
Por outras palavras: durante décadas, fanáticos vários acabaram com
o fumo em cafés ou restaurantes
porque o vício, alegadamente, prejudicava os "fumantes passivos". Se as
descobertas israelenses ganharem
força de lei, eu serei o primeiro a bater no ombro do companheiro falador. E a dizer-lhe, com a educação
possível, para ele calar a boca e rumar para o rio Tejo. A vingança serve-se líquida.
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