São Paulo, sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

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Ilustrada 50 anos

Nostalgia e autocrítica marcam terceiro debate

Jornalistas enumeram virtudes da Ilustrada dos anos 80, mas lembram defeitos

O clima de nostalgia e de autocrítica em relação à Ilustrada dos anos 80 dominou o debate "Cultura e Jornalismo", em comemoração dos 50 anos do caderno. No encontro, anteontem, no auditório do Masp, Matinas Suzuki Jr., que foi editor da Ilustrada nos anos 80, disse que a criatividade e a ousadia eram valores jornalísticos que, "em algum momento da história recente, passaram a ser incompatíveis com o fazer jornalístico". Num mea-culpa, ele afirmou que sua geração "ajudou a matar a crítica", ao fazer do repórter um crítico. Para o colunista da Folha Ruy Castro, "os jornais que quiserem sobreviver vão ter de ser surpreendentes, e aí vamos voltar àquela idéia dos anos 80 de fazer pautas gratuitas". Fórmula que, na visão do colunista da Folha Marcelo Coelho, esgotou-se. "Há momentos em que não se está só fazendo algo diferente, mas agredindo. É jogada para vender jornal." Para o editor da Ilustrada, Marcos Augusto Gonçalves, ocorreu, nos últimos anos, uma "evidente despolitização" da cultura e do leitor.

DA REPORTAGEM LOCAL


ANOS 80 X HOJE
Matinas - Não acho que o jornalismo cultural seja pior hoje do que o que fazíamos [nos anos 80]. É muito mais difícil fazer hoje, não só por causa das novas tecnologias, mas porque a imprensa foi levada para um lugar da sociedade diferente do nosso tempo, em que as pessoas reconheciam um papel na reconstrução da democracia brasileira. As demandas hoje são muito mais complexas: os interesses das pessoas mudaram muito. Estávamos numa situação de ataque, de vanguarda, reconstruindo o Brasil.
O que foi que fez aquela Ilustrada? Primeiro, nossa ignorância, não saber o que se fazia.
Não tínhamos uma formação melhor. Tínhamos uma oportunidade e uma liberdade grandes. E demos sorte de ter na Redação muita gente boa.
Gonçalves - Você, Matinas, que foi o grande editor da época, assim como o Caio Túlio que o antecedeu e eu, que vim a seguir, nunca tínhamos pisado numa Redação de grande jornal diário. Hoje, para se chegar numa posição dessas, é um percurso: você não pega um moleque de vinte e poucos anos para editar um caderno de cultura.
Coelho - Vai ver que é isso o que está faltando um pouco: pegar um cara de 24 anos que não conheça nada e pôr à frente da Ilustrada. Naquele tempo, o jornalista registrava os acontecimentos culturais, mas era também um agente cultural. As pessoas convergiam em determinados gostos, opções, num tipo de formação e idade.
Você podia ter essa função de decretar, como a Ilustrada fazia, o que é bom e o que não é. A palavra que resume tudo isso é crítica ao populismo. Extinto esse período da Ilustrada como arma do seu gosto, o critério passou a ser mais objetivo.

ARROGÂNCIA
Coelho - À medida que a parte de agenda foi sendo trabalhada profissionalmente (o que é um ganho do jornalismo cultural dos anos 80 para cá), o trabalho ou a arrogância de escolher -a Ilustrada era acusada de muita arrogância, de ser muito dona da verdade- acabava sendo uma coisa boa que se perdeu. Existe uma dose de subjetividade que não é mais preenchida. Os debates, as grandes polêmicas continuam existindo, mas as brigas culturais que acontecem atualmente não são mais as nossas. A ligação orgânica que havia entre o caderno e a modificação na cultura e na política se perdeu.
Castro - Havia na Ilustrada uma gratuidade que era herança dos jornais do passado, que não tinham a menor preocupação em dar o noticiário de estréias da semana. Isso era possível porque havia menos coisas para cobrir. O jornal não tinha obrigação de ficar falando se vai estrear a Madonna amanhã. Faz um mês que toda a imprensa brasileira só fala em Madonna. Na Ilustrada dos 80, já teriam saído matérias de gozação com a Madonna.
Coelho - Mas isso dava margem a uma crítica: qual a autoridade que essas pessoas têm para falar isso? No "Pasquim", a gratuidade era justificável na medida em que se estava num campo sitiado, de ditadura. À medida que há uma descompressão política, começa a soar estranho que cinco ou seis pessoas digam isso ou aquilo.

FIM DA OUSADIA
Matinas - Não sei em que momento do jornalismo brasileiro recente ser criativo e inovador passou a ser incompatível com o fazer jornalístico. Castro - Fazíamos piada sobre nossos heróis. Se a Madonna tivesse vindo ao Brasil em 83, 84, estaríamos tão indignados com a unanimidade em torno dela que iríamos achar um jeito de sacaneá-la.
Matinas - A criatividade era um valor jornalístico, era um valor ter idéias, ousar. Quando você tira isso, evidentemente que o caderno vai sofrer. Quem faz jornalismo pensando na história, em fazer história, faz a coisa errada. Se aquilo que você faz funcionar naquele dia, se as pessoas se deliciarem, cumpriu a sua missão.

NOSTALGIA DEMAIS?
Coelho - Meu medo é estarmos cada vez mais nostálgicos.
Falamos no abandono da criatividade e do humor, mas também penso se não houve esgotamento do que terminou se transfigurando em fórmula. Se formos pensar: "Agora vamos fazer um texto contra a Madonna". Isso seria típico da Ilustrada dos anos 80. Tem um momento em que você está não só fazendo algo diferente, mas agredindo. Não acho certo.
É jogada para vender jornal.
Castro - Não. O jornal tem de ser cúmplice do empresário da Madonna, do patrocinador?
De repente, ela não tem um elemento qualquer de ridículo que possa ser explorado?
Coelho - Acho que tem. A Folha sempre explorou o deslize, o momento em que pessoa se contradiz, em que se denuncia o aspecto puramente mercadológico: uma matéria dessas é um gol. Mas a atitude do jornalista não pode se resumir à iconoclastia. Faz falta um ângulo interpretativo diferente.
Matinas - Acho que você tem razão: se você fica só nessa posição blasée, é uma bobagem. Acho que jornalismo é dar uma resposta inovadora que pode aprofundar a questão.

MORTE DA CRÍTICA
Matinas - Há uma coisa em que nós erramos na nossa geração: nós ajudamos a matar a crítica. Espaço para a boa crítica sempre tem e sempre terá.
Castro - O repórter tinha tanta liberdade que podia ser até crítico do objeto sobre o qual estava apenas reportando.
Coelho - O contrabando de opinião na reportagem continua existindo porque se perdeu o espaço, o poder que havia para a crítica. À medida que você tem mais crítica no jornal, a vontade de ter opinião não tem de se expressar de modo enviesado na reportagem.
Matinas - Acho que a gente fez um erro de colocar repórteres para serem críticos ao mesmo tempo. O cara entrevistava o diretor de um filme e depois ia escrever a crítica. Isso é, no mínimo, uma relação complicada. A gente deveria ter tentado uma solução, uma fórmula diferente, porque o crítico tem de ter independência, mesmo.

CELEBRIDADES
Coelho - Um dos maiores perigos do jornalismo cultural tem sido uma confusão entre comportamento e cultura. As duas coisas estão sempre ligadas, mas a cultura passou a se imiscuir de tal modo no cotidiano que hoje você tem artista que produz uma poltrona e o filme que também te leva a consumir um tipo de roupa.
Você tem não só a transformação da obra de arte em mercadoria; ela passa a ser também um trampolim para novas mercadorias e novos comportamentos.

CULTURA E POLÍTICA
Gonçalves - Acho que havia uma politização da cultura [nos anos 80] que hoje não existe mais. Ter uma visão da cultura representava uma posição em relação à política e à própria vida. Sinto que os jovens jornalistas são muito interessados em se aperfeiçoar, têm muitas qualidades, mas, naturalmente, não vêm com uma idéia de militância na cultura. Os critérios para eleger um assunto oscilam em torno da relevância histórica ou mercadológica dos produtos culturais. Houve também uma evidente despolitização dos leitores. Há uma demanda sensível por orientação de consumo e entretenimento.
Como se o leitor cidadão tivesse virado um leitor consumista.
Matinas - A cultura cresce nos momentos políticos importantes. Quando a política está diluída, a cultura tende também a ficar. E o jornalismo cultural tende a sentir isso.
Coelho - Existe uma despolitização, mas também uma infantilização da cultura, em especial do cinema, que agora é só para criança. Não tem mais para adulto. A Ilustrada teve papel político importante naqueles anos 80, mas também de despolitização, contra a arte engajada. Os filmes mais queridos do caderno eram do Coppola, o gênero frio do Wim Wenders etc. A polêmica toda era muito quente, mas o gosto era frio.

INTERNET
Gonçalves - A gente vive um processo de tranformação bastante profunda com o advento da internet e novas possibilidade de convergência de linguagens tecnológicas. O desafio do jornalismo é se apropriar das novas mídias a partir dessa base de confiança já construída.


Assista ao vídeo do debate de quarta-feira
www.folha.com.br/083461



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