São Paulo, sábado, 13 de janeiro de 2001

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DANÇA

Paris assiste a nova versão da clássica coreografia

"Giselle" renova-se com exposição e estréia no Théâtre du Châtelet

INÊS BOGÉA
ESPECIAL PARA A FOLHA

"Existe uma tradição de dança noturna conhecida nos países eslavos sob o nome de Wili. As Wilis são noivas que morrem antes do dia de seu casamento. Essas pobres criaturas não podem permanecer tranquilas em suas sepulturas. Em seus corações sem brilho e em seus pés mortos, resta o amor pela dança, que elas não puderam satisfazer durante suas vidas. À meia-noite, elas se levantam e se juntam em grupos por grandes caminhos. Infeliz do jovem homem que as encontrar: vai dançar com elas a noite toda, até que caia morto."
Esse parágrafo do relato "Da Alemanha", de Heinrich Heine (1797-1856), mais um trecho do poema "Fantasmas", de Victor Hugo (1802-85), sobre uma jovem que amava demais os bailes a ponto de sonhar perturbadoramente com eles, foram as fontes que inspiraram o poeta Théophile Gautier (1811-72) à criação do libreto de "Giselle", apogeu do balé romântico, dançado continuamente desde sua estréia em 1841.
Até 18 de fevereiro, a Biblioteca e Museu da Ópera de Paris apresenta uma exposição consagrada a "Giselle". As várias salas estão divididas em pequenas seções: "As Fontes do Balé"; "Giselle, Criação e Novas Produções"; "Da Rússia, Giselle Decola pelo Mundo"; "De Sergeev à Lifar Ópera de Paris 1924-1959"; "Giselle Revisitada: Fantástica e Sobrenatural"; "Giselle Atemporal"; "Interpretações de Giselle na Ópera de Paris 1959-1985".
São textos, esboços, pinturas, fotos e maquetes que vão registrando a história do balé, desde a criação até algumas releituras modernas (como a de Mats Ek, criado para o Cullberg Ballet em 1980). Sapatilhas e figurinos formam um registro mais pessoal do mundo de "Giselle". A exposição inclui ainda vídeos com a obra dançada e comentada por alguns intérpretes famosos como Nina Vyroubova e Serge Lifar, Patrick Dupon e Monique Loudières.
Alguns documentos expostos merecem destaque: o livreto editado em 1841 "Giselle, ou As Wilis"; a litografia de Carlota Grise (bailarina que inspirou o balé); Anna Pavlova desenhada por Jean Cocteau; e fotografias das "étoiles" Marie Claude Pietragalla e Sylvie Guillem.
Em sua primeira versão, o balé foi coreografado por Jules Perrot e Jean Coralli, com música de Adolphe Adam (1803-56). No centro da tradição romântica, Giselle potencializa boa parte dos grandes temas da literatura, da música e das artes plásticas de meados do século 19: o amor, a morte, a traição, a loucura, a floresta, a noite, o realismo e a irrealidade. As relações ambíguas entre a religião e o mito estão presentes também: cruzam-se ali a tradição cristã (a cruz, que pode salvar dos malefícios da noite) e a dos druidas celtas (as árvores, como moradas das almas dos mortos).
A exposição vem no momento ideal para quem tiver o privilégio de assistir à estréia hoje, no Théâtre du Châtelet (Paris), de Sylvie Guillem dançando sua "Giselle". Essa é a versão parisiense de uma remontagem coreografada e dançada por Guillem em 1999, com o Balé Nacional da Finlândia. Com Ramon B. Ivars, ela assina também os figurinos das Wilis. Segundo Sylvie, "a história de Giselle se situa fora do tempo. Gostaria de redescobrir a história dessa jovem, voltando ao texto original de Théophile Gautier e ao poema de Heinrich Heine sobre as Wilis, para explorar as emoções dos personagens e encontrar um porquê para os passos da dança" (depoimento ao site www. chatelet-theatre.com).
Sylvie Guillem é tida como a bailarina mais glamourosa de sua geração. Desde 1989, dança como principal artista convidada do Royal Ballet, em Londres. Já trabalhou com diversos coreógrafos contemporâneos também, de William Forsythe a Maurice Béjart. Esta "Giselle" marca, agora, o início de sua carreira como coreógrafa.
"Pedi aos bailarinos para redescobrirem as emoções, as reações e os diálogos sob a forma de passos, que substituam a linguagem falada. Escolhi igualmente "novas" músicas que são da versão original como forma de sublinhar a dramaturgia. Os tempos devem corresponder às emoções; não podem ser uma simples desculpa para uma sucessão de danças." A bailarina quer "trazer realidade" ao mundo romântico. Para tanto, pediu ao cenógrafo que criasse uma vila real, com casas, muros de pedra e com ruas, para pôr fim de vez "às incoerências das versões anteriores de "Giselle'".
Exposição e estréia se conjugam para uma lição que não chega a ser nova, mas também não se gastou. Ao que tudo indica, "Giselle" vai continuar sendo, para sempre, uma obra de referência da dança clássica, renovada a cada geração.

Inês Bogéa é bailarina do Grupo Corpo


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