|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
MÚSICA
Pianista Carlos Aguirre e o samba na terra deles
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
Fazer música , às vezes, parece muito simples. Um violão, uma voz afinada, um bumbo.
Canções que bebem na fonte antiga. Versos sobre a lua, ou sobre o
sol; sobre o amor, a amizade, a
memória.
Mas música simples é rara, e
mais rara ainda quando combinada à delicadeza, como é o caso
neste CD tão bonito do compositor, pianista e cantor argentino
Carlos Aguirre.
Gravado em Entre Rios, em
1999, o disco sai no Brasil numa
parceria entre o selo Núcleo Contemporâneo, o Instituto Cultural
Casa Via Magia e o Mercado Cultural (grande feira internacional
de produtores que acontece
anualmente em Salvador). O lançamento não poderia ser mais
oportuno, em tempos de prometida integração latina; é o primeiro de uma anunciada coleção de
artistas latino-americanos.
"A quién no le gusta la zamba..."
bom sujeito não é, mas o fato é
que a gente conhece muito pouco
da música popular da Argentina.
Gardel e Piazzola; Piazzola e Gardel. Há alguns anos, Mercedes Sosa entraria na lista; hoje, não mais.
"Faltam tantos que, se faltar mais
um, não vai caber", diria Macedonio Fernández (pequeno grande
nome da literatura argentina
-que também se conhece pouco,
embora não tão pouco quanto a
música).
A simplicidade da música de
Carlos Aguirre é de um refinamento tal que seria melhor usar
outra palavra. São canções na segunda potência, atualizando
"zambas" e "coplas" numa outra
língua, sutilmente descolada da
original, e compreensível agora
em qualquer tempo e lugar.
O próprio Aguirre compõe quase tudo o que toca e canta; quer dizer, a garimpagem e a tradução do
passado já se dão dentro da música, tanto quanto na interpretação.
Ele só toca piano em quatro das
13 faixas. Pena, porque uma canção como "Zamba de Usted" (Félix Luna e Ariel Ramírez) vale o
disco sozinha. Não é apenas o
controle de tom e tempo que impressiona, mas a intensidade afetiva, num ponto justo entre o natural e o sentimental. Por outro lado, só o Aguirre compositor teria
a coragem de silenciar o pianista,
para que os violões acomodem
mais a caráter a voz afinada e discreta do Aguirre cantor.
Os violões são tão bons que é
preciso dar nome: Silvina López e
Jorge Martí. Como pode um simples "rasgueado" seco, para cima,
concentrar tanta coisa? Tecnicamente: contratempo acentuado,
na segunda colcheia do segundo
tempo de um compasso ternário.
Mas tente fazer para ver. E nem se
falou das conversas entre os violões, e entre os dois e o excelente
baixista Fernando Silva.
As letras (também de Aguirre)
vêm acompanhadas de breves
poemas, ou comentários, sugerindo as circunstâncias, ou imagens primais de cada música. Importa pouco se nem sempre chegam ao grau de despojamento
certeiro da composição. A música
reescreve a leitura noutro tom.
Para além de remediar minimamente nossa ignorância da música argentina, um disco desses
conforta e faz bem. É uma lavagem inesperada do espírito. Um
tônico do humor. Quem diria, um
remédio latino! Vem a calhar para
todos nós, há tanto tempo ruins
da "cabeza", tanto tempo doentes
"del pie".
Carlos Aguirre Grupo
Artista: Carlos Aguirre
Lançamento: Núcleo Contemporâneo
Quanto: R$ 18
Texto Anterior: Empresas de Gil já captaram R$ 6,99 milhões Próximo Texto: Estréia: Daniela Cicarelli monta "casa" na MTV Índice
|