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Crítica/"Guerra Conjugal"
Filme faz inventário de taras
Baseado em 16 contos de Dalton Trevisan, longa explora perversões da classe média curitibana
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
"Crônicas de psicopatologia amorosa na
civilização do terno
e gravata, ainda vigente na mitológica e ubíqua cidade de Curitiba." Assim o cineasta Joaquim Pedro de Andrade definia seu "Guerra Conjugal" (1974).
A definição é boa. Inspirado
em 16 contos extraídos de sete
livros de Dalton Trevisan, o filme é uma espécie de inventário
de taras, fetiches e perversões
da classe média curitibana e,
em larga medida, brasileira.
As histórias entrelaçadas seguem três linhas narrativas: as
brigas domésticas de um casal
de velhos (Jofre Soares e Carmem Silva); as peripécias do
advogado de meia-idade Osíris
(Lima Duarte), que se serve do
seu ofício para assediar mocinhas e mulheres casadas; e as
conquistas amorosas do desajeitado cafajeste Nelsinho
(Carlos Gregório).
Três gerações de homens às
voltas com seus temores recônditos (a impotência, o homossexualismo, a solidão) e seus
desejos inconfessáveis. Diante
desses machos em crise, as mulheres, ora falsamente inocentes, ora pudicamente lúbricas,
deitam e rolam.
Numa época em que a pornochanchada apelava ao grande
público reforçando estereótipos de uma sexualidade reprimida, Joaquim Pedro foi buscar no universo de Trevisan (espécie de variação minimalista do bestiário de Nelson Rodrigues) uma maneira de virar
do avesso esses clichês.
Não por acaso a censura do
regime militar, que liberava as
pornochanchadas, proibiu
"Guerra Conjugal" em 1974, liberando-o com cortes no ano
seguinte para maiores de 18
anos. De acordo com os censores, o filme induzia ao "desrespeito à instituição familiar, caracterizando a libertinagem e a inversão de valores da nossa sociedade".
A maneira como Joaquim
Pedro enquadra e expõe seus
personagens no filme emula a
sutileza e a concisão da prosa
de Trevisan. Numa cena exemplar, o advogado canalha, deitado sobre a amante casada, pergunta-lhe ao pé do ouvido:
"Quer que beije ou morda?". E
ela, em êxtase, só responde:
"Sim, sim". Ele repete várias
vezes a pergunta, crescentemente irritado diante da resposta sempre igual.
Em vários momentos o ato
sexual se frustra por um desacordo desse tipo entre as libidos dos amantes.
Ao evitar o campo/contracampo e preferir mostrar o embate entre dois personagens
num espaço contínuo, "Guerra
Conjugal" é também um filme
que valoriza o trabalho dos atores, com destaque para Lima
Duarte (impagável na cena em
que é assediado por um amigo
gay), Jofre Soares, Carlos Gregório e Carmem Silva.
O DVD traz como "bônus" o
curta "Vereda Tropical", episódio do longa "Contos Eróticos"
(1977) em que um pacato professor faz sexo com uma melancia. As fantasias de Dalton
Trevisan não chegavam a tanto.
GUERRA CONJUGAL
Direção: Joaquim Pedro de Andrade
Distribuidora: VideoFilmes (R$ 45,90 em média)
Avaliação: ótimo
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