São Paulo, domingo, 13 de janeiro de 2008

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Crítica/"Guerra Conjugal"

Filme faz inventário de taras

Baseado em 16 contos de Dalton Trevisan, longa explora perversões da classe média curitibana

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

"Crônicas de psicopatologia amorosa na civilização do terno e gravata, ainda vigente na mitológica e ubíqua cidade de Curitiba." Assim o cineasta Joaquim Pedro de Andrade definia seu "Guerra Conjugal" (1974).
A definição é boa. Inspirado em 16 contos extraídos de sete livros de Dalton Trevisan, o filme é uma espécie de inventário de taras, fetiches e perversões da classe média curitibana e, em larga medida, brasileira.
As histórias entrelaçadas seguem três linhas narrativas: as brigas domésticas de um casal de velhos (Jofre Soares e Carmem Silva); as peripécias do advogado de meia-idade Osíris (Lima Duarte), que se serve do seu ofício para assediar mocinhas e mulheres casadas; e as conquistas amorosas do desajeitado cafajeste Nelsinho (Carlos Gregório).
Três gerações de homens às voltas com seus temores recônditos (a impotência, o homossexualismo, a solidão) e seus desejos inconfessáveis. Diante desses machos em crise, as mulheres, ora falsamente inocentes, ora pudicamente lúbricas, deitam e rolam.
Numa época em que a pornochanchada apelava ao grande público reforçando estereótipos de uma sexualidade reprimida, Joaquim Pedro foi buscar no universo de Trevisan (espécie de variação minimalista do bestiário de Nelson Rodrigues) uma maneira de virar do avesso esses clichês.
Não por acaso a censura do regime militar, que liberava as pornochanchadas, proibiu "Guerra Conjugal" em 1974, liberando-o com cortes no ano seguinte para maiores de 18 anos. De acordo com os censores, o filme induzia ao "desrespeito à instituição familiar, caracterizando a libertinagem e a inversão de valores da nossa sociedade".
A maneira como Joaquim Pedro enquadra e expõe seus personagens no filme emula a sutileza e a concisão da prosa de Trevisan. Numa cena exemplar, o advogado canalha, deitado sobre a amante casada, pergunta-lhe ao pé do ouvido: "Quer que beije ou morda?". E ela, em êxtase, só responde: "Sim, sim". Ele repete várias vezes a pergunta, crescentemente irritado diante da resposta sempre igual.
Em vários momentos o ato sexual se frustra por um desacordo desse tipo entre as libidos dos amantes.
Ao evitar o campo/contracampo e preferir mostrar o embate entre dois personagens num espaço contínuo, "Guerra Conjugal" é também um filme que valoriza o trabalho dos atores, com destaque para Lima Duarte (impagável na cena em que é assediado por um amigo gay), Jofre Soares, Carlos Gregório e Carmem Silva.
O DVD traz como "bônus" o curta "Vereda Tropical", episódio do longa "Contos Eróticos" (1977) em que um pacato professor faz sexo com uma melancia. As fantasias de Dalton Trevisan não chegavam a tanto.


GUERRA CONJUGAL
Direção:
Joaquim Pedro de Andrade
Distribuidora: VideoFilmes (R$ 45,90 em média)
Avaliação: ótimo


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