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Comentário
Ninguém dormiu naqueles dez dias de 1985
ANDRÉ BARCINSKI
CRÍTICO DA FOLHA
Parecia mentira. Quando a
imprensa anunciou que Queen,
AC/DC, Yes, Ozzy Osbourne,
B-52's, Scorpions e Rod Stewart vinham ao Brasil, muita
gente achou que se tratava de
uma pegadinha de 1º de abril.
O Rock in Rio mudou tudo.
Antes do festival, a secura
por shows era tanta que a molecada pagava para ver vídeos de
Iron Maiden e Ozzy num telão
no Circo Voador. Os metaleiros
davam pulos do palco e gritavam, como se estivessem num
show de verdade. Ninguém sonhava em ver Ozzy em carne e
osso. Até que veio o Rock in Rio.
Foram dez dias em que ninguém dormiu. Eu morava na
Ilha do Governador, zona norte
do Rio. No primeiro dia, levei
quase cinco horas para chegar
ao festival. Saindo do show do
Queen, na manhã do dia 12, demorei tanto para chegar em casa que, quando cheguei, já estava na hora de voltar.
O "point" dos roqueiros era a
praia de Copacabana, onde a
maioria das bandas estava hospedada. Qualquer estrangeiro
cabeludo era logo cercado:
"Mister, autógrafo, please?".
Amigos deram de cara com
John Sykes, guitarrista do Whitesnake e "muso" do festival,
comendo um Big Bob.
Ao meio-dia, quando os portões eram abertos, já havia
muita gente esperando. O lance
era chegar cedo e colar na grade, para ver os equipamentos
importados e trocar ideia com
os colegas sobre assuntos em
voga: "Será que o Ozzy vai comer morcego?". Com sorte, dava para vislumbrar alguns amplificadores Marshall. Ninguém se importava que os banheiros tinham meio metro de
lama ou que a cerveja fosse a célebre Malt 90, carinhosamente
chamada de "Malt nojenta".
Tudo era novidade.
Eventos desse tamanho não
acontecem mais. Hoje, seria
impossível colocar Iron Maiden e Queen tocando na sequência. A estrutura das bandas inchou, cachês se multiplicaram. E nenhuma escalação
de bandas seria capaz de repetir a euforia que se viu nos fãs
em 1985. Medina pode fazer
quantos Rock in Rio quiser,
mas aquele primeiro foi realmente "o" festival.
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