São Paulo, quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

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Histórias geladas

Palhaço, atriz, escritor e crianças refrescam a memória em busca de algumas histórias afetivas ligadas ao sorvete ; saiba mais sobre o frisson da guloseima no Brasil e confira locais para experimentá-la em São Paulo

LUIZA FECAROTTA
DE SÃO PAULO

Passada a Depressão americana, os pais de Chet Baker (1929-1988), o famoso trompetista do "cool jazz", tiveram de mudar para Oklahoma. Foi naquela cidade que sua mãe, enfim, conseguiu um emprego. Um emprego numa fábrica de sorvete.
Nas anotações que o jazzista deixou, mostrava grande entusiasmo com a chegada da mãe pela noite. Era um ritual diário trazer sorvetes para casa. E ele, ao que parece, se esbaldava nos mais "inimagináveis sabores".
Na biografia de Louis Armstrong (1901-1971), um dos mais carismáticos trompetistas, há registros da sua amigável relação com as crianças. Tinha costume de brincar com os filhos dos vizinhos na varanda e dar picolés sempre que eles fizessem a lição de casa.
Guloseima cobiçada por muitos, o sorvete alcança a memória afetiva e costuma deixar boas lembranças.
Inspirada pelas frases registradas por Pedro Bloch (1914-2004) no "Dicionário de Humor Infantil", em que há a presença curiosa -e repetitiva- do sorvete, a reportagem procurou personagens para saber mais sobre sua relação com o doce.
Além de "cutucar" crianças para que definissem sorvete e contassem como o doce foi inventado (leia ao lado), a reportagem conversou com um escritor, um palhaço e uma atriz.

CAUSOS
O colunista da Folha Antonio Prata recorda uma antiga história de sua avó. "Quando era criança, queria tomar sorvete e a mãe falou que podia comer só um pouquinho. Ela fechou a cara e disse: "Detesto pouco sorvete"." É com essa frase que até hoje o escritor se manifesta diante de qualquer situação que "cheire a racionamento ou comedimento": "Detesto pouco sorvete!".
Relembra também de cenas de quando era pequeno, e o pai, Mario Prata, saía com ele e a irmã de madrugada para ir a um boteco "comprar picolé de leite moça". Aos 22 anos, trocou o cigarro pelo sorvete de doce de leite da Häagen-Dazs. "Pra mim, é o melhor doce que a humanidade inventou."
Quando a reportagem entrou em contato com Hugo Possolo, dos Parlapatões, para recolher depoimentos, ele disse, ao telefone: "Vocês descobriram o meu segredo?" e riu. Confessou: em casa pode faltar arroz e feijão, mas não pode faltar sorvete. "Tenho um paladar infantil, talvez por isso seja palhaço."
Já a atriz Glória Menezes, em cartaz em São Paulo com a peça "Ensina-me a Viver", traz à memória uma cena tragicômica.
"Há 20 anos, estava chupando sorvete de creme e chocolate na casquinha enquanto guiava meu carro em direção à igreja São Conrado. Fiquei toda lambuzada e parei no acostamento para pegar um paninho e limpar a mão e a direção. Nisso, um cara avançou no meu pescoço para arrancar minha corrente de ouro e eu dei uma mordida na mão dele."
Na biografia do ex-presidente Lula conta-se que certa vez, ainda pequeno, seu pai levou picolés para casa, distribuiu aos presentes e, quando chegou sua vez, disse: "Você não sabe chupar, eu não vou te dar".

BRASIL
Na primeira metade do século 19, conta-se que aportou no Rio um navio americano com toneladas de gelo em blocos. Foram dois comerciantes que estocaram o produto e passaram a vendê-lo misturado a sucos de fruta.
Um luxo na época reservado à elite, era motivo de filas na porta da confeitaria da rua do Ouvidor, no centro.
Mais tarde, tornou-se costume moças pomposas circularem pela antiga capital em direção à Capela Imperial uma vez por semana. Todas as sextas, dirigiam-se à igreja para ouvir música religiosa, "tomar sorvete e conversar com os rapazes", relata Gilberto Freyre em "Açúcar".
Igrejas católicas, tornaram-se, assim, espaços de socialização "e até de namoro, em torno do sorvete ou do creme gelado".
Quem não tem uma história gelada para contar?


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