São Paulo, quinta, 13 de fevereiro de 1997.

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CINEMA
A cineasta Tata Amaral diz ter buscado `a experiência da tragédia' em seu filme, que passa amanhã no festival
``Um Céu...'' leva provocação a Berlim

JOSÉ GERALDO COUTO
especial para a Folha

O filme ``Um Céu de Estrelas'', dirigido por Tata Amaral, que será exibido amanhã, fora de competição, dentro do Festival de Berlim, é um filme destinado a provocar amor e ódio.
Premiado em Brasília (levou os prêmios de melhor direção, roteiro, edição de som e da crítica) e em Biarritz (onde conquistou o prêmio especial do júri), o filme foi vaiado e aplaudido nos locais por onde passou até agora.
Drama violento e claustrofóbico, narra as horas de desespero vividas numa casa da Moóca por dois personagens: a cabeleireira Dalva (Aleyona Cavalli) e seu ex-namorado Vitor (Paulo Vespúcio), desempregado, armado e alucinado.
Antes de embarcar para Berlim, onde acompanha a exibição de seu filme, Tata Amaral, 36, falou à Folha sobre a produção, que deve estrear em São Paulo em março deste ano.

Folha - ``Um Céu de Estrelas'' foi rodado em 16 mm, num único ambiente. Você filmou desse jeito devido à limitação de recursos ou escolheu esse modo de produção para poder expressar o que queria?
Tata Amaral -
Nesse projeto as coisas estiveram muito misturadas, não sei o que veio primeiro. Resolvi filmar o romance do Fernando (Bonassi) por ter visto nele a possibilidade de traduzir para cinema algumas coisas que me inquietavam.
O livro já pedia uma exiguidade narrativa, portanto era adequado à minha pouca capacidade de levantar recursos.
O desafio foi encontrar uma proposta narrativa, um roteiro, que tivesse a radicalidade do livro, por um lado, e que mantivesse esses parâmetros em termos de economia financeira. Que conjugasse, em suma, a economia financeira e a economia narrativa.
Folha - Há produtores e exibidores dizendo, de antemão, que o filme terá pouco público.
Tata -
Acho que há um público que vai ao cinema não para ver, necessariamente, uma extensão da televisão, mas para ser provocado. Em São Paulo e no Rio, você tem visto um crescimento muito grande do filme alternativo, que não é aquele filme padrão de Hollywood. São filmes mais estimulantes, narrativas estranhas.
``Um Céu de Estrelas'' não é um filme de diversão. É um filme provocativo. O que eu acho que boa parte dos produtores e distribuidores aqui no Brasil têm uma fantasia do que seja o público brasileiro, e não levam em consideração que o público não é um só, mas é segmentado e heterogêneo.
Além disso, se um filme de menos de R$ 400 mil, como o meu, fizer sucesso, como eles vão justificar seus orçamentos de R$ 4 milhões ou R$ 5 milhões?
Folha - O filme é um ``tour de force'' dramático e técnico. O que foi mais difícil fazer?
Tata -
Primeiro, foi muito árduo encontrar a estrutura dramática, que veio com o roteiro definitivo de Jean-Claude Bernardet e Roberto Moreira. Com o roteiro na mão, tive dificuldade em encontrar atores que se dispussessem a fazer os papéis principais, porque eu queria uma ``mise-en-scene'' que fosse fundo nas emoções dos personagens, na vivência da tragédia.
Tata - Houve muito ensaio com os atores?
Tata - A gente ensaiou dois meses. A Ligia Cortez me ajudou na preparação dos atores, a gente discutia muito, ensaiava cenas, ensaiava o texto todo.
No set mesmo nós ensaiamos só dois dias, por questões de produção. Num dos dias fui com uma câmera VHS, estudei algumas coisas-chaves.
Para as cenas de violência, a gente tinha uma coreógrafa de luta que treinava os atores, a gente escolhia os ângulos. Você sabe, o filme tem chute no saco, chute na barriga, a mãe é arrastada pro banheiro, a Dalva cai em cima de um carrinho com coisas quebráveis...
Teve muita preparação. Isso me permitiu improvisar um pouco na decupagem, na hora de filmar. O texto e a coreografia estavam perfeitamente decorados, mas eu precisava às vezes introduzir um elemento novo para desestabilizar tudo isso e fazer emergir nos atores a emoção, para que não ficasse tudo mecânico.
Folha - O filme causa impacto também por conta da crueza das cenas de violência e de sexo. Você não teme ser acusada de sensacionalista ou pornográfica?
Tata -
Nem um pouco, porque o filme é tão legítimo para mim e para quem fez que, se eu for acusada, não tem muita importância. Aliás, já fui.
Tem uma crítica no ``Variety'' que começa: ``Espalhafatoso melodrama de estufa...'' (risos). Quando você se expõe, você está exposto a tudo.
Folha - Por que, afinal, você escolheu essa história para filmar?
Tata -
Primeiro, porque o Fernando Bonassi trabalha com um universo que me interessa e eu vi nessa história a possibilidade de trabalhar com o desespero e a tragédia. Levei isso no filme às últimas consequências.
Para que serve a tragédia? Aristóteles dizia que ela servia para inspirar o terror e a piedade. Acho que é assim ainda hoje.
A experiência da tragédia é uma experiência pela qual todos os homens têm de passar. E eu queria fazer essa experiência no cinema.


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