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CINEMA
"Não é um filme com que eu fique feliz"
José Padilha diz que "Garapa", sobre a fome, exibido em sala lotada na Berlinale, trata do "mais grave problema social da atualidade"
Documentário brasileiro foi considerado "triste" pelo público, que quis saber do Fome Zero e aplaudiu quando diretor questionou políticos
SILVANA ARANTES
ENVIADA ESPECIAL A BERLIM
A primeira sessão de "Garapa" no 59º Festival de Berlim,
anteontem, começou com calorosa acolhida ao diretor José
Padilha ("Tropa de Elite").
"Esta é uma noite especial,
porque estamos recebendo o
vencedor do Urso de Ouro do
ano passado, com um documentário impressionante", disse Wieland Speck, diretor da
mostra Panorama, a uma plateia que se espalhava até pelas
escadas do cinema.
Speck recomendou ao público que não se esquecesse de depositar o voto com a avaliação
do filme, ao final, e lembrou
que por três vezes um documentário venceu o Panorama.
Duas horas mais tarde, um
pesado silêncio acompanhou o
fim da projeção do filme, que
acompanha três famílias sujeitas à fome no Nordeste brasileiro e se encerra com a estimativa de que, durante o tempo da
sessão, "1.400 crianças morreram de causas relacionadas à
fome ao redor do mundo".
"Vamos dar ao público um
tempo para lidar com o que
acaba de ver", sugeriu o mediador do encontro de Padilha
com os espectadores.
O cineasta brasileiro salientou que ""Garapa" não é um filme local", já que situações semelhantes se repetem "na China, na Índia, na África", onde o
problema da fome atinge parcela da população.
O público quis saber sobre o
programa Fome Zero, mencionado no longa. Padilha disse
que a iniciativa federal alcançou bons resultados no combate à fome e que a maior qualidade do projeto reside na simplicidade. "É um programa que dá
dinheiro a pessoas muito pobres. Em geral, governos se
atrapalham ao tentar fazer coisas complicadas", afirmou.
Quando questionado sobre
por que filmou "Garapa" em
preto e branco, ele respondeu:
"Decidimos tirar do filme tudo
que não fosse fundamental".
Padilha avalia "que a fome é o
mais grave problema social da
atualidade" e repisou cifras citadas no filme: "A solução do
problema da fome exigiria um
investimento de US$ 30 bilhões por ano; em 2008 o mundo gastou US$ 1,5 trilhão em armas. Acho que isso diz muito
sobre a raça humana".
A plateia aplaudiu quando o
diretor disse julgar que "esse
problema só será resolvido
quando os políticos forem colocados numa situação de não
mais se elegerem se não derem
uma solução para ele".
Poder de comunicação
Antes da exibição de "Garapa", Padilha apontou a empatia
do público com os personagens
como o pilar do poder de comunicação do cinema. "Você pode
usar isso em filmes para entreter e pode também usar para
dar [ao público] consciência de
problemas sociais."
A intenção de "Garapa", explicou, "é ver a fome não por
uma perspectiva intelectual,
mas do ponto de vista dos que
têm que viver com ela".
Ao recuperar a palavra, o público deixou a sala repetindo
adjetivos como "triste" e "forte". Ontem, Padilha passou o
dia dando entrevistas a órgãos
de imprensa de vários países.
Apesar do interesse que "Garapa" despertou, Padilha disse à
Folha: "Esse não é um filme
com o qual eu possa ficar feliz".
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