São Paulo, sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

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CARLOS HEITOR CONY

Tudo podia ser pior


A barra não está tão pesada. O Brasil não tem vulcões nem terremotos, tem Carnaval e Flamengo


TENHO DOIS, talvez três conhecidos que tomaram uma decisão heroica, mas sábia, pelo menos confortável: não leem mais jornais, não veem noticiários da televisão nem ouvem os do rádio. Simplesmente se recusam a tomar conhecimento do que vai pelo mundo -título, por sinal, de um desses programas jornalísticos. Gostaria de acompanhá-los e me trancar, mais do que já trancado estou. Infelizmente, ganho suadamente os meus dias vendendo miolo de cabeça para comprar miolo de pão (a frase de Humberto de Campos), sou obrigado a me manter mal informado sobre as desditas que se abatem sobre o homem e o mundo. Não é pessimismo: mas, quando vejo a embrulhada da nossa aventura, em todos os setores e em todos os lugares, tenho ganas de pedir o meu inexistente boné e me mandar desta para melhor ou pior -tanto faz, desde que seja outra.
Tem bananada demais acontecendo -e uso a palavra "bananada" para não usar outra palavra parecida com ela. Não sei se me entendem, mas não tem importância. Eu próprio nunca me entendi muito bem. Afinal, o que vai pelo mundo? O que obriga as pessoas a se recusarem a conhecer os atos e os fatos dos homens, os contemporâneos de nossa estreita fatia de história? Não perderei tempo (o meu e o dos outros) fazendo o levantamento dos muitos problemas e das poucas soluções, todos sabemos, mais ou menos, de uma forma ou outra, e na própria carne, que a barra pesada está.
Um amigo veio de São Paulo para o Rio, de acordo com ele, fugindo do consumismo, da pressa, do imediatismo, da crueldade dos negócios, do dá lá e toma cá que marca a temperatura humana da nossa maior cidade. Nascido no Rio, ele pensava que a praia, Ipanema, chopinho no bar, esse folclore carioca tão cantado em prosa e verso, aguentasse as pontas e ele pudesse viver a sua vida de arquiteto e de divorciado que não deseja ser tragado pela máquina, a da indústria e a do amor. Num momento de lucidez, meteu uma bala na cabeça, não quebrou a cabeça, mas quebrou a cara, a bala resvalou não sei em qual osso, ele está ferido, doído, vivo contra a vontade: mas continua "Ele". É terrível ser Ele. Pior mesmo é continuar sendo "Eu".
Outro amigo, empresário bem-sucedido, recebe por dia mais de 500 cartas com pedidos de empregos. De faxineiros e telefonistas a advogados e engenheiros, currículos brilhantes, homens de 19 a 59 anos -todos na pior profissional. Os americanos fazem um papelão no Iraque, mostrando que o pior ridículo é o do mais forte. O papa não sabe ainda o que vai decidir a sua pastoral definitiva, se fica ou não fica com a igreja de Trento ou do Vaticano 2º. O governo brasileiro, segundo os entendidos mais confiáveis, consome a maior parte da renda nacional em dois itens: a máquina administrativa e o pagamento das dívidas, que, todos suspeitam -principalmente os credores-, jamais serão pagas. Mesmo assim, o presidente apela para que gastemos mais a fim de enfrentarmos a crise mundial.
Numa de suas últimas entrevistas, quando ainda era levado a sério, Jean Paul Sartre descobriu que o mundo deixou de ser interessante. Bem antes de Sartre, aí pelos anos 20, o barão de Itararé dizia mais ou menos a mesma coisa: o mundo é redondo, mas de tanto rodar está ficando chato.
Bem, quando acabo de escrever essas linhas, soube pelos jornais que a juventude está numa boa: aplaudiu, dançou e cantou com seus mitos, se entupiu de Coca-Cola, batata frita e fumaça num show que descolou cobertores e gêneros de primeira necessidade para as vítimas das enchentes. Vi um desses jovens na TV: coberto de suor e tatuagens enigmáticas, achou tudo divino e maravilhoso, berrou, cantou e pulou (pulou mais do que cantou), mas com direito a apreciar de perto as belas pernas de Ivete Sangalo, bem melhores do que o seu repertório.
Podia concluir que a barra não está tão pesada assim. Afinal, o Brasil não tem vulcões nem terremotos, no país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza, tem Carnaval em fevereiro e tem o Flamengo para todos os meses do ano. Quem reclama, como o cronista está reclamando, reclama de barriga cheia.


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