São Paulo, sábado, 13 de fevereiro de 2010

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A guerra das traças

Portais de venda de livros usados na internet aprimoram-se, mudam perfil de sebos e de consumidores e acirram disputa por mercado em ascensão; hegemônica, Estante Virtual ameaça levar multinacional Gojaba ao Cade

Rafael Hupsel/Folha Imagem
Estantes do Sebo Cultural, em Pinheiros, que passará a cadastrar livros para venda na internet para amenizar redução de até 50% nomovimento da loja em 2009

FABIO VICTOR
DA REPORTAGEM LOCAL

Dono de um sebo no centro de Belo Horizonte por cinco anos, Renato Ribeiro decidiu no fim de 2008 fechar a loja. Manteve-se, porém, no comércio de livros usados: alugou uma sala menor, para onde transferiu seu acervo de 20 mil títulos, e hoje vende somente pela internet, nos portais que intermedeiam transações entre livreiros e leitores.
O mesmo fez o paulistano Gunter Zibell, que trocou a loja física pela virtual, cadastrando em alguns sites os seus 60 mil volumes. Ambos afirmam que o corte de despesas com pessoal e contas justificou a opção.
O movimento reflete a reviravolta no mercado de livros usados e raros detonada pela evolução das redes de sebo no ciberespaço brasileiro. São portais que reúnem muitos livreiros numa mesma página, onde o cliente compara preços e pesquisa o conteúdo e/ou o estado do volume. Escolhidos os títulos, o negócio se dá entre o sebo e o leitor interessado -o intermediário lucra com comissão e mensalidades cobradas aos cadastrados.
Soberana no setor, a Estante Virtual, criada em 2005 e que reúne 1.600 sebos e 6 milhões de livros, ganhou nos últimos anos concorrentes que, se não chegam a ameaçar sua liderança, já provocam reações típicas de uma guerra comercial.
A sombra maior é a Gojaba. Subsidiária brasileira da gigante canadense AbeBooks, comprada em 2008 pela Amazon, a Gojaba chegou no mesmo ano ao Brasil com uma tática agressiva: não cobrar mensalidade nem comissão dos livreiros.
A Estante, que cobra 5% de comissão sobre as vendas e mensalidades que variam de R$ 29,90 (2.000 livros) a R$ 132 (60 mil livros) reagiu, ameaçando levar o concorrente aos órgãos de defesa da concorrência. "Isso é "dumping" total [venda por preço inferior ao do mercado]. Sem cobrança aos livreiros, não há como sustentar um portal assim. Pensamos em entrar com uma ação no Cade [Conselho Administrativo de Defesa Econômica], mas, como eles não afetam nossa liderança, não entramos", revelou André Garcia, dono da Estante.
"Não comento. Eles têm seu ponto de vista, temos o nosso. Se entrarem com ação, tomaremos medidas", disse o diretor do Gojaba, Giovanni Soltoggio, baseado na Alemanha.
Trata-se de um mercado ascendente. A Estante Virtual não revela o faturamento, mas informa que em 2009 o volume de vendas no portal foi de R$ 28 milhões, 2.800% maior que em 2006 (primeiro ano medido) e crescente desde então.
Garcia diz ter 98% do mercado. Livreiros independentes estimam que ele domine 80%.
Soltoggio não cita números, mas se diz "muito satisfeito" com os resultados da Gojaba no Brasil. "Estamos chegando a 3 milhões de livros on-line [240 livreiros] e a oferta só cresce."
Além do Gojaba, outras redes menores de sebo disputam terreno com a líder (leia quadro).
Entre os livreiros, a Estante é em geral elogiada e de longe a favorita, representando parcela expressiva do total de vendas das lojas. "Vamos falar claro: sinônimo de livro usado hoje não são o Brandão nem o Messias, é a Estante Virtual", diz Eurico Brandão Jr., do sebo Brandão, há 58 anos no mercado e com lojas em três cidades, São Paulo, Recife e Salvador, nas quais 60% das vendas são pelo portal.
Há também queixas. "Tem livro que vale R$ 100, mas tem gente que não sabe do valor e põe à venda na Estante por R$ 10, depreciando o produto", diz o gerente do sebo paulistano Nova Floresta, José Amorim.
Para Luiza Tsuyama Cardoso, do Traças e Troços, o caráter virtual dos portais atrapalha os livreiros. "Não há contato humano, você não tem chance de argumentar com eles, gera uma sensação de impotência."
A Estante, como o nome diz, tem toda a operação virtual. O Gojaba nem possui representante no Brasil. "O "e-commerce" pode ser feito de qualquer lugar que tenha eletricidade e conexão à internet", diz o relações-públicas da AbeBooks, Richard Davies, do Canadá.


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