São Paulo, domingo, 13 de fevereiro de 2011

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"O humor dá sentido ao caos", diz Linney

A atriz recebeu o Globo de Ouro pelo papel principal na comédia "The Big C", série sobre professora com câncer

Para ela, personagem é como um "mergulho de braços abertos" e tom do seriado parecia "tarefa quase impossível"

KIRA COCHRANE
DO "GUARDIAN"

Quando era criança, Laura Linney passou muitas horas montando caixas ao estilo das de Joseph Cornell -coleções de objetos que representam uma ideia ou pessoa.
"Tinha problemas de aprendizagem e não conseguia me expressar por escrito. Então, quando os professores pediam um trabalho sobre um livro, eu tentava me virar de outra maneira. No caso de "Tom Sawyer", fiz uma criação baseada nos objetos que ele teria no bolso.
Eram os anos 1960, descolados, então deixaram passar." Perguntei no que consistiria uma caixa Cornell que representasse Cathy, a personagem dela na série "The Big C". Cathy é uma professora que perde o chão de sua vida maçante quando recebe um diagnóstico de câncer de pele em estágio avançado.
Os primeiros episódios mostram uma mulher que tropeça nas reações: recusa o tratamento, percorre corredores fazendo estrelas (movimento de ginástica olímpica), exibe o corpo ao médico, resolve não informar a família da doença e se distancia do marido imaturo. O desespero colide com a exultação.
Linney faz uma pausa enquanto reflete. Finalmente responde: "Haveria uma foto de um mergulho feito com os braços abertos, com certeza.
E um céu azul imenso. Existe algo de muito simbólico no mergulhar e na piscina".
A entrevista com a atriz, que necessariamente gira em torno de câncer, doença e morte, tem um clima hesitante e doloroso. Também porque seu pai, o aclamado dramaturgo off-Broadway Romulus Linney, morreu de câncer do pulmão, em janeiro passado, aos 80 anos.
Linney e o pai tinham uma ligação estreita. Ele e a mãe dela, enfermeira num hospital de câncer, se divorciaram quando Linney tinha seis meses, mas todos viviam em Manhattan e Linney se aproximou mais dele quando estudou teatro na faculdade.
Linney é, no fundo, cria do teatro. Ela cresceu querendo atuar no teatro regional, estudou a arte oito anos na faculdade e batizou sua cadelinha de Eleonora Duse (1858-1924), como a atriz italiana.
"Eu era como um pombo-correio voltando para casa. Ia ao teatro como se isso fosse um instinto profundo e conheço o teatro minha vida inteira."
A morte do pai a impediu de comparecer ao Globo de Ouro, quando foi premiada pela atuação como Cathy, mas, conscienciosa, estava de volta ao palco poucos dias depois, encerrando a temporada na Broadway da peça "Time Stands Still".
Logo depois, veio ao Reino Unido para divulgar o seriado, trazendo consigo o colega John Benjamin Hickey, que representa seu irmão em "The Big C", para ser seu auxiliar e protetor na entrevista.
Quando pergunto o que a atraiu no papel, ela cita o fato de que uma comédia sobre câncer lhe pareceu "uma tarefa quase impossível". "Podia visualizar que seria bacana fazer esse tipo de comédia volúvel, que poderia atrair as pessoas ou provocar o distanciamento delas."

GRITO SUFOCADO
O uso do humor no seriado é sutil, sem dúvida, e mutante; "The Big C" não é uma comédia com risadas gravadas em sua trilha sonora. Parte do humor vem da maneira repentina e obstinada com que Cathy abraça a vida -como quando limita seu jantar em um restaurante a "sobremesas e bebida"-, mas a maior parte vem de momentos de choque e desconforto provocando risos que mais parecem gritos sufocados.
"O humor é uma maneira de encontrar sentido no caos. É um jeito de enfrentar coisas que são avassaladoras, que ameaçam você."
Ela conta que achou que a série poderia tratar de questões "que não se limitam ao câncer e abordar a morte. E com isso quero dizer "morte'", diz, articulando a palavra em silêncio. "A morte é a única experiência comum, não importa a raça, o país em que vivemos ou nossas crenças religiosas. É a única coisa que compartilhamos."
Nos EUA, embora a performance de Linney venha sendo elogiada, as reações ao próprio seriado variam. Algumas pessoas foram aos bastidores de sua peça na Broadway para parabenizá-la por "The Big C".
"Fico muito feliz pelo fato de telespectadores que estão enfrentando o câncer terem demonstrado gratidão. Isso tem sido muito, muito legal."
Mas há quem pense que o programa não é suficientemente engraçado. E as reações mais viscerais têm sido reservadas à decisão da personagem de não contar à família o diagnóstico. "Surpreendeu-me o modo pessoal como estão encarando isso."
Hickey intervém. "E se isso tivesse acontecido com um homem, se ele tivesse câncer e não contasse para a família, será que as pessoas teriam reagido da mesma maneira?
Você não acha isso sexista? O fato de a esposa e mãe não contar para a família incomoda as pessoas." "Acho que você tem razão", diz Linney. "Isso faz as pessoas perguntarem: 'Cadê a responsabilidade dela? O que ela está fazendo?'"

MATURIDADE
A linguagem corporal de Linney é pudica e autocontida, traço que ela -três vezes indicada ao Oscar- leva aos seus papéis mais famosos.
Agora, a Cathy de "Big C" dá a Linney a chance de explorar uma personagem complicada, de lançar um olhar forense numa vida que, durante anos, incluiu uma busca interminável pelo sofá perfeito e por manter felizes e bem alimentados o marido superficial e o filho mimado.
Linney acaba de chegar aos 47 e as pessoas lhe perguntam há anos se, à medida que envelhece, tem dificuldade em encontrar bons papéis. É uma questão que ela parece encarar como insulto não pela idade, mas pelo que revela sobre o medo de envelhecer em Hollywood.
"Acho esse desdém pelo envelhecer uma coisa louca.
Para uma comunidade, um país, um mundo, desperdiçar o tempo dessa maneira não é saudável. Espero ser capaz de aceitar o tempo de vida que me for dado e curti-lo", ela diz, e faz uma pausa: "As pessoas precisam entender que isso é uma dádiva".

Tradução de CLARA ALLAIN

NA TV

The Big C
Primeira temporada
QUANDO dom., às 22h30, na HBO
CLASSIFICAÇÃO não informada


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