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CINEMA
Patricia Civelli tenta restaurar acervo que inclui "Destino em Apuros"
Primeiro longa em cores do país está na UTI
Divulgação
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Cena de "Destino em Apuros", primeiro longa brasileiro em cores, com Paulo Autran (de máscara) |
JOSÉ GERALDO COUTO
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS
Um patrimônio cultural de valor inestimável corre o risco de virar pó em pouco tempo. Não se
trata de uma igreja barroca, nem
de um sítio arqueológico pré-histórico, e sim de filmes produzidos
no Brasil há menos de 50 anos pelo cineasta e empreendedor ítalo-brasileiro Mario Civelli (1923-93).
Entre as preciosidades ameaçadas, estão o primeiro longa-metragem colorido brasileiro, "Destino em Apuros", e o mais antigo
filme sobre futebol ainda existente, "O Craque", ambos de 1953.
O primeiro, dirigido pelo também italiano Ernesto Remani,
acumula a honra de ser uma das
primeiras fitas estreladas por
Paulo Autran, que encarna o próprio Destino. O ator dava o filme
por perdido, mas no ano passado
a filha de Mario Civelli, Patricia
Civelli, descobriu com um colecionador uma cópia completa
que comporta restauração.
Paulo Autran disse à Folha que
ganhou "muito bem" para fazer o
filme: "O Civelli me ofereceu o
mesmo ordenado que a Vera
Cruz pagava ao Anselmo Duarte,
o maior galã da companhia".
O ator se lembra de Mario Civelli como "um grande entusiasta
do cinema". Segundo ele, "Destino em Apuros" era uma comédia
fantástica em que o Destino (o
próprio Autran) troca inadvertidamente com um jovem (Hélio
Souto) uma pasta com documentos sobre a vida dos indivíduos.
Para dirigir a fotografia em cores, chamou-se o fotógrafo norte-americano H. B. Corell.
"Eu lembro que havia uma cena
em frente ao cemitério da rua
Cardeal Arcoverde, em Pinheiros,
outra no Museu do Ipiranga feericamente iluminado e outras num
cenário colossal que era o escritório do Destino", diz.
Segundo o ator, o tal escritório
ficava no alto de um prédio de 20
andares, mas o edifício usado para fazer as tomadas externas era o
do Instituto Biológico, na Vila
Mariana, que só tem cinco. "Com
isso, o Destino (ou seja, eu) olhava
pelo 20º andar de um prédio de
cinco andares, o que acentuava
involuntariamente o tom fantástico da trama", diverte-se Autran.
"Havia uma fala minha no filme
que eu nunca mais esqueci", diz o
ator. "Eu dizia: "Gosto de tomar
chocolate porque é a única bebida
doce extraída de um fruto amargo". Ou seja, o roteirista se esqueceu do chá, do café etc."
"O Craque", em que o ator Carlos Alberto interpreta o jogador
de futebol Julinho "Joelho de Vidro", mostra um evento cada vez
mais raro nos dias de hoje: uma
vitória do Corinthians. O jogo foi
um amistoso contra a seleção do
Uruguai, no Pacaembu.
Contracenam com Carlos Alberto astros corintianos da época,
como Claudio, Luizinho e o goleiro Gilmar, que seria campeão
mundial em 58 e 62. A direção é
de José Carlos Burle e o roteiro é
de Alberto Dines.
Segundo Patricia Civelli, produtora de rádio, TV e publicidade
que cuida do acervo do pai desde
a morte deste, há oito anos, esses
filmes "estão na UTI", ou seja,
precisam ser restaurados com urgência para não desaparecer.
Em condições tão críticas quanto as de "O Craque" e "Destino"
estão os longas "Chamas no Cafezal" (José Carlos Burle, 54), "A Sogra" (Armando Couto, 54), "Fatalidade" (Jaques Maret, 53) e
"Uma Vida para Dois" (Armando
Miranda, 53). Todos foram produzidos por Mario Civelli e fazem
parte do acervo da Multifilmes,
empresa produtora paulista que
ele criou em 52 (leia ao lado).
Em estado um pouco menos
precário, mas também necessitados de restauração, estão dois documentários do próprio Civelli,
"O Grande Desconhecido" (56) e
"Rastros na Selva" (58).
O primeiro deles registra costumes e paisagens do interior brasileiro mais selvagem e foi premiado como melhor documentário
no festival de Karlovy-Vary, na
então Tchecoslováquia.
"Rastros na Selva" documenta a
expedição que percorreu o Brasil
para capturar os primeiros animais que chegaram ao Jardim
Zoológico de São Paulo.
Patricia Civelli busca recursos
para recuperar esses e outros títulos da Multifilmes, a exemplo do
que fez com a comédia "É um Caso de Polícia" (1959), de sua tia
Carla, irmã de Mario Civelli (leia
também nesta página).
Além disso, Patricia pretende
restaurar 4.070 fotos relativas à
Multifilmes, abarcando fotografias de filmagem, de matérias jornalísticas e cartazes.
"Falta apoio dos órgãos públicos para esse tipo de trabalho",
diz Patricia. "O governo manda
recorrer à Lei Rouanet, mas a cada ano cria novos formulários,
aumenta a burocracia, faz a gente
gastar mais dinheiro."
Segundo ela, a recuperação de
um longa como "O Craque" demanda entre R$ 80 mil e R$ 100
mil. "São sete meses de trabalho
de restauração quadro a quadro."
Patricia destaca a importância
do acervo Multifilmes não só para
a história do cinema, mas para a
própria memória do país. "Estão
se perdendo imagens preciosas,
que mostram desde a Serra Pelada antes do garimpo até bairros
paulistanos totalmente diferentes
do que são hoje."
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