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São Paulo, quinta-feira, 13 de março de 2003

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Os ciber-românticos


Ex- compositor do Grateful Dead e professor acadêmico, idealizadores de um "comunismo possível" na internet, passam a limpo suas desavenças políticas como convidados do festival Mídia Tática Brasil e defendem a livre troca de música e de arquivos na rede mundial de computadores; encontro inédito foi facilitado pelo ministro da Cultura Gilberto Gil


DIEGO ASSIS
DA REPORTAGEM LOCAL

O consenso sempre foi uma utopia entre dois dos principais pensadores da internet da atualidade. Desde a publicação de sua "Declaração da Independência do Ciberespaço" (96), o rancheiro e criador da ONG Electronic Frontier Foundation, John Perry Barlow, 56, troca acusações virtuais com o inglês Richard Barbrook, 46, professor da Universidade de Westminster e autor do "Manifesto Cibercomunista" (98).
Barlow: "Ele imputou a mim uma crença no livre mercado e em sua infalibilidade que eu nunca possui". Barbrook: "Você é um darwinista social!". Barlow: "E você é um punk rocker!". Bem-humorada, a discussão veio parar no país graças ao festival Mídia Tática Brasil, que abre hoje oficialmente e teve uma prévia na última sexta-feira, com a presença do ministro da Cultura, Gilberto Gil, que ciceroneou os dois pelo circuito de Carnavais do Nordeste, por uma viagem ao -seu próprio- passado, no museu do Dops, e até a um tributo ao rapper Sabotage no Sesc Pompéia.
No último domingo, entre uma garfada de feijoada e um gole de caipirinha, a Folha colocou os dois "inimigos virtuais" frente a frente e falou sobre cultura, tecnologia, música digital e política.
 

Folha - O que vocês acham que leva a tecnologia a ser tratada em um caderno de cultura?
John Pery Barlow -
Não estamos falando de assuntos tecnológicos. A matéria-prima da internet são as culturas. As pessoas se tornam tão obcecadas com as ferramentas que se esquecem de por que as estão usando.

Richard Barbrook - É o "establishment" que quer falar de tecnologia, para evitar falar de cultura, de política ou de economia.

Folha - O que mudou na internet desde o início dos anos 90? Houve uma vitória do comercial sobre o acadêmico?
Barbrook -
Não, o interessante é que a "grande" internet está hoje muito mais próxima do modelo acadêmico do que dos veículos de comunicação comerciais. Tentou-se fazer da internet televisão, um lugar de compra e venda de entretenimento financiado por anúncios, mas a maior parte é formada por pessoas que a usam para compartilhar informações. É sensacional que a internet não esteja totalmente corporatizada.

Barlow - Isso não tem nada de mais. E você escreveu por que não. A rede é naturalmente uma economia de trocas, e qualquer tentativa de transformá-la em outra coisa, em um mercado de idéias, seria derrotada.

Barbrook - Vocês [refere-se à "ideologia californiana" da revista "Wired", alvo de críticas no "Manifesto Cibercomunista"] pregam um livre comércio de idéias.

Barlow - Quando as pessoas falam em um mercado de idéias querem dizer um diálogo, não uma troca monetarizada.

Folha - A internet é o futuro da música? E as gravadoras?

Barbrook - Elas continuam a fazer dinheiro e vão levar tempos tentando convencer que podem transformar o mundo numa fantasia digital. A questão é: por que as pessoas irão comprar as músicas on-line se elas têm ferramentas para fazê-la e compartilhá-la?

Barlow - No [festival independente] Midem, em Cannes, os executivos estavam assustados, mas a resposta deles era: usem uma marreta maior, encontrem ferramentas de repressão eficaz.

Folha - E seria possível exercer esse controle maior?

Barlow - Infelizmente sim. Acho necessário que as pessoas passem por cima de alguns de meus pronunciamentos anteriores e reconheçam que a internet pode ser controlada e que já há esforços dos governos nesse sentido.

Barbrook - Você ficaria surpreso se isso não estivesse acontecendo.

Barlow - Sim, nunca achei que a indústria iria só rolar e morrer.

Barbrook - Sim, você achou. Você é um velho hippie.


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