São Paulo, segunda-feira, 13 de março de 2006

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FORMA&ESPAÇO

Desenhos do invisível

GUILHERME WISNIK
COLUNISTA DA FOLHA

"A o projetar uma casa, gostaria de ser valente o bastante para fazê-la como as cabanas dos caiçaras", diz o arquiteto Eduardo de Almeida. "Mas eu seria incapaz disso", contesta. "Por isso faço o contrário: projeto a casa com extremo cuidado e detalhe, porque se não faço assim, tenho medo de não acertar."
A honestidade da frase é desconcertante e expõe a sutileza do seu raciocínio: o extremo cuidado é resultado de um temor, mais que de uma certeza reta. Pois, parece que a necessidade de ordenar o espaço a contento, levada a fundo no detalhamento, é, na verdade, um modo de organizar o pensamento e poder raciocinar. O que faz com que o meticuloso esforço no desenho de cada detalhe, em sua arquitetura, vise exatamente a invisibilidade desse desenho -como suas portas de vidro sem esquadrias-, em oposição ao capricho do ornamento.
Eduardo é um arquiteto que se notabilizou pelas casas que construiu, na esteira do apuro construtivo e da abstração formal que vem de Mies van der Rohe, e se generalizou na arquitetura americana dos anos 50, muito influente em São Paulo. Vem daí a freqüente associação do seu nome a qualidades como "elegância", e "rigor". No entanto, esses adjetivos no fundo escondem, sob uma capa de bom gosto e tecnicismo formal, a verdadeira base de sua arquitetura: um ethos de civilidade. Traço que vem tanto de um elo geracional, ligado ao senso cosmopolita do industrial design, quanto de sua formação familiar -Eduardo é filho do poeta modernista Tácito de Almeida, membro do grupo da Semana de 22 e da revista Klaxon. Assim, sua importante presença na FAU, desde 1967, marca um encontro singular entre o despojamento de uma elite esclarecida que abraçou a vanguarda e lançou as bases da industrialização da cidade, e a espacialidade exigente da "escola paulista" das grandes estruturas e do concreto armado.
Por tudo isso deve-se comemorar o lançamento do primeiro livro, no Brasil, sobre a sua obra: "Eduardo de Almeida" (Romano Guerra Editora, R$ 52, 120 págs.), com organização de Abilio Guerra e apresentação de Luis Espallargas Gimenez, amanhã na FAU Maranhão (19h30).
O livro apresenta dez casas, cobrindo um período de 30 anos de profissão (de 1974 a 2004), bem ilustrado com fotos e desenhos, qualidade que por si só merece destaque. Mas também explicita idiossincrasias difíceis de aceitar.
Uma é a opção por mostrar apenas casas, deixando de lado obras representativas, como escolas públicas, indústrias e o exemplar conjunto de edifícios modulares Gemini, além de projetos importantes ainda não construídos, como o Centro de Estudos Brasileiros na USP (Biblioteca Mindlin) e o novo campus da Fundação Getúlio Vargas.
A outra é a posição defendida, no ensaio crítico, de que o exemplo de Eduardo represente um modelo de oposição ao "brutalismo paulista" liderado por Artigas. Visão amparada na fantasia persecutória de que sua obra tenha sido posta em segundo plano pela história, dada a proeminência "ideológica" da outra. Julgamento injusto, travestido de elogio, para uma obra que tem a virtude, entre outras tantas, de ser convincente sem precisar se auto-afirmar.


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