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FORMA&ESPAÇO
Desenhos do invisível
GUILHERME WISNIK
COLUNISTA DA FOLHA
"A o projetar uma casa, gostaria de ser valente o bastante para fazê-la como as cabanas dos caiçaras", diz o arquiteto
Eduardo de Almeida. "Mas eu seria incapaz disso", contesta. "Por
isso faço o contrário: projeto a casa com extremo cuidado e detalhe, porque se não faço assim, tenho medo de não acertar."
A honestidade da frase é desconcertante e expõe a sutileza do
seu raciocínio: o extremo cuidado
é resultado de um temor, mais
que de uma certeza reta. Pois, parece que a necessidade de ordenar
o espaço a contento, levada a fundo no detalhamento, é, na verdade, um modo de organizar o pensamento e poder raciocinar. O
que faz com que o meticuloso esforço no desenho de cada detalhe,
em sua arquitetura, vise exatamente a invisibilidade desse desenho -como suas portas de vidro
sem esquadrias-, em oposição
ao capricho do ornamento.
Eduardo é um arquiteto que se
notabilizou pelas casas que construiu, na esteira do apuro construtivo e da abstração formal que
vem de Mies van der Rohe, e se generalizou na arquitetura americana dos anos 50, muito influente
em São Paulo. Vem daí a freqüente associação do seu nome a
qualidades como "elegância", e
"rigor". No entanto, esses adjetivos no fundo escondem, sob uma
capa de bom gosto e tecnicismo
formal, a verdadeira base de sua
arquitetura: um ethos de civilidade. Traço que vem tanto de um
elo geracional, ligado ao senso
cosmopolita do industrial design,
quanto de sua formação familiar
-Eduardo é filho do poeta modernista Tácito de Almeida,
membro do grupo da Semana de
22 e da revista Klaxon. Assim, sua
importante presença na FAU,
desde 1967, marca um encontro
singular entre o despojamento de
uma elite esclarecida que abraçou a vanguarda e lançou as bases da industrialização da cidade,
e a espacialidade exigente da "escola paulista" das grandes estruturas e do concreto armado.
Por tudo isso deve-se comemorar o lançamento do primeiro livro, no Brasil, sobre a sua obra:
"Eduardo de Almeida" (Romano
Guerra Editora, R$ 52, 120 págs.),
com organização de Abilio Guerra e apresentação de Luis Espallargas Gimenez, amanhã na
FAU Maranhão (19h30).
O livro apresenta dez casas, cobrindo um período de 30 anos de
profissão (de 1974 a 2004), bem
ilustrado com fotos e desenhos,
qualidade que por si só merece
destaque. Mas também explicita
idiossincrasias difíceis de aceitar.
Uma é a opção por mostrar apenas casas, deixando de lado obras
representativas, como escolas públicas, indústrias e o exemplar
conjunto de edifícios modulares
Gemini, além de projetos importantes ainda não construídos, como o Centro de Estudos Brasileiros na USP (Biblioteca Mindlin) e
o novo campus da Fundação Getúlio Vargas.
A outra é a posição defendida,
no ensaio crítico, de que o exemplo de Eduardo represente um
modelo de oposição ao "brutalismo paulista" liderado por Artigas. Visão amparada na fantasia
persecutória de que sua obra tenha sido posta em segundo plano
pela história, dada a proeminência "ideológica" da outra. Julgamento injusto, travestido de elogio, para uma obra que tem a virtude, entre outras tantas, de ser convincente sem precisar se auto-afirmar.
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