São Paulo, quinta-feira, 13 de março de 2008

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comida

Galã delivery

Da televisão para um teatro perto de você: chef Olivier Anquier faz sua estréia nos palcos com espetáculo em que a platéia escolhe um menu expresso, ajuda a prepará-lo e, ao final, ainda degusta os pratos

Roberto Setton/Folha Imagem
O chef, padeiro e apresentador de TV ensaia "Olivier, Fusca e Fogão"

JANAINA FIDALGO
LUCAS NEVES
DA REPORTAGEM LOCAL

Soa o terceiro sinal no teatro Aliança Francesa. Na abertura das cortinas, em vez de um burguês cínico talhado por Molière ou da dramaturgia experimental do Théâtre du Soleil, surge um brasileiro "de origine" francesa algo estabanado, o chef, padeiro e apresentador de televisão Olivier Anquier, 48, que se naturalizou há oito meses.
"Gente, olha a sujeira que ele faz... Se fosse na minha cozinha, eu o mataria!", pensa alto, como se estivesse no sofá de casa, uma espectadora do ensaio de "Olivier, Fusca e Fogão", primeira incursão do cozinheiro nos palcos, que estréia neste domingo. Não à toa. Em cena, o protagonista segue à risca a receita teatral de gestos expansivos: joga mais sal no chão do que na panela, derruba a espátula e esquece a frigideira no fogo até o azeite virar fumaça.
Apesar de o tripé cenário-iluminação-platéia sugerir uma encenação tradicional, Anquier tem outra percepção de seu novo projeto. "Teatro não pode ser. Não tem representação de personagem. Interpreto o que eu sou, sem nenhum artifício ou fantasia. Sou incapaz de inventar um personagem de ficção, não consigo decorar três linhas. Só se for esse personagem que criei ao longo dos anos."
A constatação de que a cozinha lhe renderia mais louros do que a carreira de ator veio depois de uma ponta (pouco memorável) no thriller "O Satânico Mister Frost" (1990), com Jeff Goldblum. "Apesar de ter sido sondado desde jovem, inclusive para fazer novela no Brasil, logo entendi que era um péssimo ator."
Assim, no lugar da dramaturgia, "causos" recolhidos ao longo de uma década de viagens pelo Brasil e mostrados no programa "Diário do Olivier" temperam uma aula expressa, cheia de "trucuzinhos" (no português enviesado de Anquier) para descomplicar a cozinha.
Desdobramento das aulas-show com que o padeiro corre o Brasil, a idéia foi fermentada por Pedro Mattar, que assina o "roteiro". Entre aspas porque, segundo o chef, "Olivier, Fusca e Fogão" não segue um texto: "Tenho só as marcações. A seqüência de temas está definida.
A maneira de contar, o fio que vai ligar uma coisa à outra é que é improvisação. É tudo em função da "réceptivité" do público".
E ela, a re-cep-ti-vi-da-de, não se abala nem diante de seus tropeços no português. Os neologismos incluem "castéis" de areia, medidas calculadas "aproximativamente" e iguarias servidas em "platões".

Self-service
As escorregadas lingüísticas, não se engane, são só mais um artifício para laçar a platéia, que, a certa altura, escolhe o menu a ser preparado numa cozinha nada cenográfica: jantar romântico para dois ("Três é outra coisa"), soluções de frigideira e jantar inesperado. Aos domingos, a pedida é sempre o bê-á-bá do preparo de um pão.
Em seguida, Anquier convida espectadores a subir ao palco e botar a mão na massa. A recompensa pelo "mico" de brincar de "assistente de Ofélia" na frente de 230 pessoas é poder provar todos os pratos feitos em cena.
"O mais complicado foi construir esses cardápios. Levei em conta os ingredientes utilizados, a facilidade de execução e compreensão e o aspecto "espetacular". Desejo que o público reproduza as receitas em casa."

"Intimidade carinhosa"
É difícil acreditar que um homem bonito como Anquier não receba cantadas do mulherio. "Quem criou essa imagem [de galã] foram vocês [a mídia].
Meu público é um pouco mais feminino, mas fico orgulhoso quando um barbudo vem me dizer "parabéns!'", desconversa.
"Tenho sorte de não sentir os efeitos da palavra assédio, que considero algo agressivo. As pessoas se aproximam de mim com uma intimidade carinhosa, como se eu fosse "de casa"."
Essa proximidade foi cultivada na TV desde 1996, em passagens por Globo, GNT e Record. Da última, saiu em 2007, por não ser "ladrão de tempo". "Eu não estava à vontade, não consigo ser uma coisa ali só para passar o tempo. Mas eu vou voltar, voltar na Record", garante.
E se a fome já batia em quem acompanhava as receitas do chef pela televisão, ao vivo a experiência chega às raias da tortura. Aos desafortunados que não fizerem companhia a Anquier no palco quando ele soltar seus "Et voilà!" (senha que anuncia a finalização do prato), restará o consolo de um kit de "primeiros socorros" dado na entrada: pão e queijo.


OLIVIER, FUSCA E FOGÃO
Quando:
estréia 16/3; temporada sex. e sáb., às 21h; dom., às 18h; de 16/3 a 1º/6
Onde: teatro Aliança Francesa (r. General Jardim, 182, Vila Buarque, tel. 0/xx/11/3188-4141)
Quanto: R$ 60
assista a trecho do espetáculo


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