São Paulo, quinta-feira, 13 de março de 2008

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Com espanto, "marcianos" vêem arte da atualidade

Em exposição em Londres, curadores apresentam obras contemporâneas imaginando o "olhar" de extraterrestres

Marcel Duchamp, Andy Warhol, Bruce Nauman e Christo são alguns dos artistas que têm obras na galeria Barbican

RAFAEL CARIELLO
DE LONDRES

Numa placa verde, logo à entrada da galeria do centro Barbican, em Londres, uma exposição é anunciada em duas línguas -inglês e "marciano". Em alfabeto latino e no que seria a sua tradução para uma série de símbolos saídos de uma equação matemática, pode-se ler: "Bem-vindo ao Museu Marciano de Arte Terrestre".
"Esses objetos misteriosos, a que os humanos chamam "arte'", diz o texto, "sugerem um significado mais profundo do que aquele revelado por sua aparência imediata. De fato, nossos vizinhos terrestres não têm uma definição precisa do que seja "arte" nem parecem chegar a um acordo sobre o seu significado".
A idéia dos curadores é apresentar as produções da arte contemporânea a partir da perspectiva de antropólogos extraterrestres, que não conseguem entender exatamente o que seja "arte".
Um dos interesses da exposição é que essa maneira de se aproximar desses objetos -perplexa e distanciada- não é muito diferente daquela que nós mesmos usamos. A arte contemporânea vive e se alimenta dessa dificuldade, desde pelo menos o aparecimento do trabalho de Marcel Duchamp (1887-1968).
Sem o auxílio de divisões e genealogias da história da arte, os curadores "marcianos" organizaram os artefatos de acordo com seu possível uso ou significado, seguindo divisões em áreas de atuação humana usadas pela antropologia.
"Parentesco", "Magia", "Ritual" e "Comunicação" são as grandes categorias sob as quais estão apresentados trabalhos de Andy Warhol, Bruce Nauman e Christo, entre outros.
Assim, por exemplo, uma série de mapas enquadrados pela artista Cornelia Parker aparecem expostos na subseção "feitiço", sob a categoria "Magia". Cada um mostra uma parte de Londres, e, em cada uma dessas páginas do mapa, um pequeno pedaço foi queimado.
A perplexidade dos pesquisadores marcianos, citada vez por outra nos comentários às obras, não deve ser muito diferente daquela de visitantes de museus humanos diante de alguns desses trabalhos. Também na seção "Magia", pode-se encontrar a peça "Merda do Artista", de 1961, de Piero Manzoni. Descrita como "30 gramas de cocô do artista recentemente produzidos, preservados e enlatados", a obra lembra uma latinha de patê, e leva acima a assinatura de Manzoni. "Por que esse produto de digestão humana é considerado arte é difícil de estabelecer", diz o texto "marciano".

Superfície lunar
Outros objetos já parecem menos estranhos hoje do que no momento de sua criação. É o caso da obra "Meu Nome Como se Escrito na Superfície Lunar" (1968), de Bruce Nauman. No trabalho, o primeiro nome do artista aparece escrito num tubo de néon, com cada uma das letras repetida seis vezes (a leitura do nome simula a "lentidão" de objetos na gravidade do satélite terrestre).
Uma coisa ao menos é possível estabelecer a partir dos objetos reunidos no Barbican: os seres humanos conhecidos como "artistas" e "curadores" parecem formar uma "tribo" monoteísta. Seu deus se chama Marcel Duchamp.
Logo na entrada, o famoso urinol branco que Duchamp inscreveu para uma exposição americana -e foi recusado- aparece reproduzido, só que pintado de dourado. Essa espécie de mictório de ouro, obra de Sherrie Levine, dá as boas vindas aos visitantes.


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