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Com espanto, "marcianos" vêem arte da atualidade
Em exposição em Londres, curadores apresentam obras contemporâneas imaginando o "olhar" de extraterrestres
Marcel Duchamp, Andy Warhol, Bruce Nauman e Christo são alguns dos artistas que têm obras
na galeria Barbican
RAFAEL CARIELLO
DE LONDRES
Numa placa verde, logo à entrada da galeria do centro Barbican, em Londres, uma exposição é anunciada em duas línguas -inglês e "marciano". Em
alfabeto latino e no que seria a
sua tradução para uma série de
símbolos saídos de uma equação matemática, pode-se ler:
"Bem-vindo ao Museu Marciano de Arte Terrestre".
"Esses objetos misteriosos, a
que os humanos chamam "arte'", diz o texto, "sugerem um
significado mais profundo do
que aquele revelado por sua
aparência imediata. De fato,
nossos vizinhos terrestres não
têm uma definição precisa do
que seja "arte" nem parecem
chegar a um acordo sobre o seu
significado".
A idéia dos curadores é apresentar as produções da arte
contemporânea a partir da
perspectiva de antropólogos
extraterrestres, que não conseguem entender exatamente o
que seja "arte".
Um dos interesses da exposição é que essa maneira de se
aproximar desses objetos
-perplexa e distanciada- não
é muito diferente daquela que
nós mesmos usamos. A arte
contemporânea vive e se alimenta dessa dificuldade, desde
pelo menos o aparecimento do
trabalho de Marcel Duchamp
(1887-1968).
Sem o auxílio de divisões e
genealogias da história da arte,
os curadores "marcianos" organizaram os artefatos de acordo
com seu possível uso ou significado, seguindo divisões em
áreas de atuação humana usadas pela antropologia.
"Parentesco", "Magia", "Ritual" e "Comunicação" são as
grandes categorias sob as quais
estão apresentados trabalhos
de Andy Warhol, Bruce Nauman e Christo, entre outros.
Assim, por exemplo, uma série de mapas enquadrados pela
artista Cornelia Parker aparecem expostos na subseção "feitiço", sob a categoria "Magia".
Cada um mostra uma parte de
Londres, e, em cada uma dessas
páginas do mapa, um pequeno
pedaço foi queimado.
A perplexidade dos pesquisadores marcianos, citada vez por
outra nos comentários às
obras, não deve ser muito diferente daquela de visitantes de
museus humanos diante de alguns desses trabalhos. Também na seção "Magia", pode-se
encontrar a peça "Merda do Artista", de 1961, de Piero Manzoni. Descrita como "30 gramas
de cocô do artista recentemente produzidos, preservados e
enlatados", a obra lembra uma
latinha de patê, e leva acima a
assinatura de Manzoni. "Por
que esse produto de digestão
humana é considerado arte é
difícil de estabelecer", diz o texto "marciano".
Superfície lunar
Outros objetos já parecem
menos estranhos hoje do que
no momento de sua criação. É o
caso da obra "Meu Nome Como
se Escrito na Superfície Lunar"
(1968), de Bruce Nauman. No
trabalho, o primeiro nome do
artista aparece escrito num tubo de néon, com cada uma das
letras repetida seis vezes (a leitura do nome simula a "lentidão" de objetos na gravidade do
satélite terrestre).
Uma coisa ao menos é possível estabelecer a partir dos objetos reunidos no Barbican: os
seres humanos conhecidos como "artistas" e "curadores" parecem formar uma "tribo" monoteísta. Seu deus se chama
Marcel Duchamp.
Logo na entrada, o famoso
urinol branco que Duchamp
inscreveu para uma exposição
americana -e foi recusado-
aparece reproduzido, só que
pintado de dourado. Essa espécie de mictório de ouro, obra de
Sherrie Levine, dá as boas vindas aos visitantes.
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