São Paulo, sexta-feira, 13 de março de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Última Moda

ALCINO LEITE NETO em paris - ultima.moda@grupofolha.com.br

Paris puxa o freio do luxo

Temporada de desfiles inverno 2009/10 da capital francesa foi marcada por apreensão comercial e contenção estética

Um período histórico da moda chegou ao fim. Um novo tempo vai começar. O limite entre uma e outra época deverá ser a temporada do inverno 2009/10 de Paris, que até quarta-feira foi marcada pela contenção, pela grande preocupação comercial das grifes e pelo receio dos estilistas em arriscar por territórios inéditos.
O que ocorreu na capital francesa? Foi ali, mais do que nas temporadas de Nova York e de Milão, que ficou claro a todo o mundo da moda que a crise econômica veio para balançar o coreto fashion. As principais grifes, com poucas exceções, foram obrigadas a refletir sobre o que Karl Lagerfeld, estilista da Chanel, chamou de "nova modéstia" e outros apelidaram de "nova austeridade".
Evidentemente, isso não significa, para a moda francesa, abrir mão da sofisticação e dos padrões de qualidade das grifes. Implica, sobretudo, em baixar a bola do luxo exibicionista, que nesta época de dificuldades ficou obsceno (como disse um jornalista francês), e também se dar conta de que os compradores já puxaram o freio do consumismo frenético.
Na França, os especialistas em mercado são menos elegantes que Lagerfeld: eles não falam em "nova modéstia", mas em um grande terremoto no mundo do consumo. "Os consumidores já não veem os produtos da mesma maneira. Assistimos a uma moralização do consumo. A ideia de consumir sempre não é mais considerada um progresso", declarou ao jornal "Libération" a socióloga Danielle Rapport.
Em termos gerais, a atual crise encerra mais de 20 anos de confiança neoliberal na desregulamentação econômica, no aventureirismo do capital e no incentivo ao consumo.
Na moda, a crise coloca em xeque o modelo atual do prêt-à-porter. Desde os anos 80, as grifes acompanharam a ascensão financeira das classes médias nos países desenvolvidos e a oferta abundante de crédito, desenvolvendo um modelo de "luxo acessível" e cada vez mais ostentatório, com ótimos resultados comerciais.
Com isso, foram ampliando largamente a sua produção e multiplicando lojas, enquanto promoviam uma escalada dos preços dos produtos.
Como o desastre econômico assola os grandes mercados da moda e do luxo acessível, como Japão, EUA, Rússia e vários países europeus, as marcas estão revendo a sua produção, cortando despesas e calculando como baixar os preços das roupas. No que compete aos estilistas, a questão é adequar a imagem das coleções ao momento.

Uso do preto
Para tanto, em Paris eles optaram por criar looks elegantes, mas não ostentatórios; antenados à atualidade mas também "atemporais" -palavra tão usada durante a semana e que passou a significar, para os fashionistas, as roupas que podem durar mais de uma estação.
E como isso se manifestou na temporada francesa, que terminou ontem? Antes de tudo, na insistência no uso do preto, essa cor que consegue reunir como poucas versatilidade, durabilidade e modernidade.
Inspirada no protodândi George "Beau" Brummell (1778-1840), a Chanel mostrou uma envolvente coleção sobretudo em negro -pontuada por detalhes em branco e alguns raros e sublimes looks em rosa-bebê (cor que apareceu também em outras grifes). O negro dominou outros dois desfiles importantes da estação, o da Lanvin e o da Yves Saint Laurent. Além do preto, firmaram-se o branco, o cinza e as cores neutras. Exceção à regra, as grifes Dior, Balenciaga e Dries Van Noten esbanjaram no colorido.
Em boa parte das grifes na França, os brilhos também foram usados com parcimônia e apenas em peças-chaves, ao contrário do que ocorreu em Milão. Outra exceção (na moda tudo é relativo), a Lanvin fez uma série muito forte, mas rigorosa, de looks com aplicações brilhantes e lamês -o ápice de seu desfile irresistível.
Para romper com a sisudez dos looks escuros, Paris criou silhuetas bastante sexies, como na Givenchy e na própria Chanel (abrindo fendas nas pernas, nas costas e na frente), ou evidentemente perversas, como as de Hussein Chalayan (com microssaias e corseletes eróticos) e de Martin Margiela -seus "meio-vestidos", bem adequados à nova economia, têm apenas a parte da frente e deixam a de trás desnuda. Elementos do estilo clubber e rocker dos anos 80 apareceram aqui e ali, para dar um toque mais jovial e divertido às coleções.
Como nos desfiles italianos, os franceses investiram numa imagem feminina forte, ressaltando bastante os ombros, ampliando os casacos, calçando botas longas e vestindo tailleurs firmes. Buscaram também elementos do vestuário dos homens -como na Yves Saint Laurent e na Stella McCartney-, mas contrabalançados por uma intensa feminilidade e pelo toque sensual (como nos vestidos tipo lingerie da deliciosa coleção da estilista britânica).
Os criadores também abriram mão de experimentações e ousadias, apoiando-se em formas consagradas e reconhecidas por sua versatilidade e funcionalidade, como certos estilos dos anos 30 e 40. Mesmo os designers mais "experimentais", como Chalayan, Margiela e Viktor & Rolf, evitaram saltos extremos. Resultado: até o fechamento desta edição, Paris passava sem grandes surpresas e choques estéticos.
Num cenário austero assim, o exuberante desfile da Dior marcou a semana. Não tinha novidades. Porém, fascinou pelo luxo (que parecia ignorar toda crise) e pela imaginação sempre transbordante do estilista John Galliano.
A coleção foi um amontoado de temas orientais, com cores e formas apoteóticas, belos saruels (de odaliscas) em seda, cashmeres estampados, peles abundantes e as magníficas sandálias com saltos em forma de adaga.
Mas, no início da semana de moda francesa, o desfile da Dior não passou de uma miragem feliz de outra época. Logo, o deserto dos novos tempos se impôs em Paris.

com VIVIAN WHITEMAN



Texto Anterior: Frases
Próximo Texto: Tom Wolfe é destaque do Fronteiras do Pensamento
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.