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Última Moda
ALCINO LEITE NETO em paris - ultima.moda@grupofolha.com.br
Paris puxa o freio do luxo
Temporada de desfiles inverno 2009/10 da capital francesa foi marcada por apreensão comercial e contenção estética
Um período histórico da moda chegou ao fim. Um novo
tempo vai começar. O limite
entre uma e outra época deverá
ser a temporada do inverno
2009/10 de Paris, que até quarta-feira foi marcada pela contenção, pela grande preocupação comercial das grifes e pelo
receio dos estilistas em arriscar
por territórios inéditos.
O que ocorreu na capital
francesa? Foi ali, mais do que
nas temporadas de Nova York e
de Milão, que ficou claro a todo
o mundo da moda que a crise
econômica veio para balançar o
coreto fashion. As principais
grifes, com poucas exceções, foram obrigadas a refletir sobre o
que Karl Lagerfeld, estilista da
Chanel, chamou de "nova modéstia" e outros apelidaram de
"nova austeridade".
Evidentemente, isso não significa, para a moda francesa,
abrir mão da sofisticação e dos
padrões de qualidade das grifes.
Implica, sobretudo, em baixar a
bola do luxo exibicionista, que
nesta época de dificuldades ficou obsceno (como disse um
jornalista francês), e também
se dar conta de que os compradores já puxaram o freio do
consumismo frenético.
Na França, os especialistas
em mercado são menos elegantes que Lagerfeld: eles não falam em "nova modéstia", mas
em um grande terremoto no
mundo do consumo. "Os consumidores já não veem os produtos da mesma maneira. Assistimos a uma moralização do
consumo. A ideia de consumir
sempre não é mais considerada
um progresso", declarou ao jornal "Libération" a socióloga
Danielle Rapport.
Em termos gerais, a atual crise encerra mais de 20 anos de
confiança neoliberal na desregulamentação econômica, no
aventureirismo do capital e no
incentivo ao consumo.
Na moda, a crise coloca em
xeque o modelo atual do prêt-à-porter. Desde os anos 80, as grifes acompanharam a ascensão
financeira das classes médias
nos países desenvolvidos e a
oferta abundante de crédito,
desenvolvendo um modelo de
"luxo acessível" e cada vez mais
ostentatório, com ótimos resultados comerciais.
Com isso, foram ampliando
largamente a sua produção e
multiplicando lojas, enquanto
promoviam uma escalada dos
preços dos produtos.
Como o desastre econômico
assola os grandes mercados da
moda e do luxo acessível, como
Japão, EUA, Rússia e vários
países europeus, as marcas estão revendo a sua produção,
cortando despesas e calculando
como baixar os preços das roupas. No que compete aos estilistas, a questão é adequar a imagem das coleções ao momento.
Uso do preto
Para tanto, em Paris eles optaram por criar looks elegantes,
mas não ostentatórios; antenados à atualidade mas também
"atemporais" -palavra tão usada durante a semana e que passou a significar, para os fashionistas, as roupas que podem
durar mais de uma estação.
E como isso se manifestou na
temporada francesa, que terminou ontem? Antes de tudo,
na insistência no uso do preto,
essa cor que consegue reunir
como poucas versatilidade, durabilidade e modernidade.
Inspirada no protodândi
George "Beau" Brummell
(1778-1840), a Chanel mostrou
uma envolvente coleção sobretudo em negro -pontuada por
detalhes em branco e alguns raros e sublimes looks em rosa-bebê (cor que apareceu também em outras grifes). O negro
dominou outros dois desfiles
importantes da estação, o da
Lanvin e o da Yves Saint Laurent. Além do preto, firmaram-se o branco, o cinza e as cores
neutras. Exceção à regra, as grifes Dior, Balenciaga e Dries Van
Noten esbanjaram no colorido.
Em boa parte das grifes na
França, os brilhos também foram usados com parcimônia e
apenas em peças-chaves, ao
contrário do que ocorreu em
Milão. Outra exceção (na moda
tudo é relativo), a Lanvin fez
uma série muito forte, mas rigorosa, de looks com aplicações
brilhantes e lamês -o ápice de
seu desfile irresistível.
Para romper com a sisudez
dos looks escuros, Paris criou
silhuetas bastante sexies, como
na Givenchy e na própria Chanel (abrindo fendas nas pernas,
nas costas e na frente), ou evidentemente perversas, como as
de Hussein Chalayan (com microssaias e corseletes eróticos)
e de Martin Margiela -seus
"meio-vestidos", bem adequados à nova economia, têm apenas a parte da frente e deixam a
de trás desnuda. Elementos do
estilo clubber e rocker dos anos
80 apareceram aqui e ali, para
dar um toque mais jovial e divertido às coleções.
Como nos desfiles italianos,
os franceses investiram numa
imagem feminina forte, ressaltando bastante os ombros, ampliando os casacos, calçando
botas longas e vestindo tailleurs firmes. Buscaram também elementos do vestuário
dos homens -como na Yves
Saint Laurent e na Stella
McCartney-, mas contrabalançados por uma intensa feminilidade e pelo toque sensual
(como nos vestidos tipo lingerie da deliciosa coleção da estilista britânica).
Os criadores também abriram mão de experimentações e
ousadias, apoiando-se em formas consagradas e reconhecidas por sua versatilidade e funcionalidade, como certos estilos dos anos 30 e 40. Mesmo os
designers mais "experimentais", como Chalayan, Margiela
e Viktor & Rolf, evitaram saltos
extremos. Resultado: até o fechamento desta edição, Paris
passava sem grandes surpresas
e choques estéticos.
Num cenário austero assim,
o exuberante desfile da Dior
marcou a semana. Não tinha
novidades. Porém, fascinou pelo luxo (que parecia ignorar toda crise) e pela imaginação
sempre transbordante do estilista John Galliano.
A coleção foi um amontoado
de temas orientais, com cores e
formas apoteóticas, belos saruels (de odaliscas) em seda,
cashmeres estampados, peles
abundantes e as magníficas
sandálias com saltos em forma
de adaga.
Mas, no início da semana de
moda francesa, o desfile da
Dior não passou de uma miragem feliz de outra época. Logo,
o deserto dos novos tempos se
impôs em Paris.
com VIVIAN WHITEMAN
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