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Crítica/"Entre os Muros da Escola"
Longa francês une reflexão a cinema de primeira
Sucesso de público em seu país, obra é bem mais que "filme para professor"
SÉRGIO RIZZO
CRÍTICO DA FOLHA
Examinado pela perspectiva de educadores,
"Entre os Muros da Escola" é algo raro. Muitos filmes
americanos e europeus ambientaram suas tramas em escolas e adotaram professores e
alunos como protagonistas,
mas poucos -como o documentário "Ser e Ter" (2002), de
Nicolas Philibert- dedicaram
tamanha verticalidade ao que
ocorre cotidianamente ali.
Natural, portanto, que desperte interesse especial entre
os profissionais de educação: se
a reflexão sobre a prática é considerada procedimento obrigatório para quem trabalha com
processos de ensino e aprendizagem, não há como escapar,
no âmbito escolar, de uma discussão frontal com o que o filme de Laurent Cantet mostra.
Relegá-lo à condição de "filme para professores" configura, no entanto, um equívoco
brutal. Para começar, é cinema
de primeira, feito para público
amplo -e, ainda que a Palma de
Ouro em Cannes tenha ajudado, sua popularidade na França
(mais de 2 milhões de espectadores) demonstra que está longe de atrair só um gueto.
Além disso, a janela que abre
para o universo educacional
deveria, também naturalmente, provocar a reflexão de todos
os que entregam seus filhos aos
cuidados do sistema de ensino
básico, tanto faz se público ou
privado, muitas vezes sem ter a
ideia do que se passa ali dentro
e da profunda crise de valores
da escola como instituição.
Por fim, é a sociedade contemporânea e sua dificuldade
em lidar com alguns de seus
conceitos-chave, como democracia, igualdade de direitos e
cidadania, que transbordam
pelas quatro paredes da sala de
aula na qual mergulhamos, durante pouco mais de duas horas, ao lado do professor François (François Bégaudeau).
Cantet reafirma, dessa maneira, seu compromisso com a
tentativa de diagnosticar crises
do mundo em que vivemos, sobretudo as que envolvem o
pensamento eurocêntrico e os
ideais republicanos, já manifestado, com ênfase em aspectos
do trabalho, do capitalismo e do
colonialismo moderno, em
"Recursos Humanos" (1999),
"A Agenda" (2001) e "Em Direção ao Sul" (2005).
Formato híbrido
"Entre os Muros da Escola"
celebra também um salto qualitativo no formato híbrido de
realização que o cineasta vinha
experimentando: eis um longa
de ficção baseado em um romance, mas em que todos os
procedimentos de realização,
incluindo o trabalho com os
atores e o dispositivo de captação de imagens, são característicos do documentário.
O grande cinema chega sempre perto de mostrar as coisas
como elas são, mas talvez não
consigamos enxergar. Não há
um caminho único para fazê-lo,
como demonstram cineastas
tão heterogêneos quanto John
Ford, Howard Hawks, Roberto
Rossellini e Jia Zhang-ke.
O percurso de Cantet em seu
filme mais notável é também o
que o distingue na abordagem
da educação. Não é da escola
que se fala, como em tantos discursos bem-intencionados,
mas enviesados. Aqui, é a própria escola que se deixa revelar.
ENTRE OS MUROS DA ESCOLA
Produção: França, 2008
Direção: Laurent Cantet
Com: François Bégaudeau, Nassim
Amrabt e Laura Baquela
Onde: estreia hoje nos cines Bristol,
HSBC Belas Artes e circuito
Classificação: não recomendado para
menores de 12 anos
Avaliação: ótimo
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