São Paulo, sexta-feira, 13 de março de 2009

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Crítica/"Entre os Muros da Escola"

Longa francês une reflexão a cinema de primeira

Sucesso de público em seu país, obra é bem mais que "filme para professor"

SÉRGIO RIZZO
CRÍTICO DA FOLHA

Examinado pela perspectiva de educadores, "Entre os Muros da Escola" é algo raro. Muitos filmes americanos e europeus ambientaram suas tramas em escolas e adotaram professores e alunos como protagonistas, mas poucos -como o documentário "Ser e Ter" (2002), de Nicolas Philibert- dedicaram tamanha verticalidade ao que ocorre cotidianamente ali.
Natural, portanto, que desperte interesse especial entre os profissionais de educação: se a reflexão sobre a prática é considerada procedimento obrigatório para quem trabalha com processos de ensino e aprendizagem, não há como escapar, no âmbito escolar, de uma discussão frontal com o que o filme de Laurent Cantet mostra.
Relegá-lo à condição de "filme para professores" configura, no entanto, um equívoco brutal. Para começar, é cinema de primeira, feito para público amplo -e, ainda que a Palma de Ouro em Cannes tenha ajudado, sua popularidade na França (mais de 2 milhões de espectadores) demonstra que está longe de atrair só um gueto.
Além disso, a janela que abre para o universo educacional deveria, também naturalmente, provocar a reflexão de todos os que entregam seus filhos aos cuidados do sistema de ensino básico, tanto faz se público ou privado, muitas vezes sem ter a ideia do que se passa ali dentro e da profunda crise de valores da escola como instituição.
Por fim, é a sociedade contemporânea e sua dificuldade em lidar com alguns de seus conceitos-chave, como democracia, igualdade de direitos e cidadania, que transbordam pelas quatro paredes da sala de aula na qual mergulhamos, durante pouco mais de duas horas, ao lado do professor François (François Bégaudeau).
Cantet reafirma, dessa maneira, seu compromisso com a tentativa de diagnosticar crises do mundo em que vivemos, sobretudo as que envolvem o pensamento eurocêntrico e os ideais republicanos, já manifestado, com ênfase em aspectos do trabalho, do capitalismo e do colonialismo moderno, em "Recursos Humanos" (1999), "A Agenda" (2001) e "Em Direção ao Sul" (2005).

Formato híbrido
"Entre os Muros da Escola" celebra também um salto qualitativo no formato híbrido de realização que o cineasta vinha experimentando: eis um longa de ficção baseado em um romance, mas em que todos os procedimentos de realização, incluindo o trabalho com os atores e o dispositivo de captação de imagens, são característicos do documentário.
O grande cinema chega sempre perto de mostrar as coisas como elas são, mas talvez não consigamos enxergar. Não há um caminho único para fazê-lo, como demonstram cineastas tão heterogêneos quanto John Ford, Howard Hawks, Roberto Rossellini e Jia Zhang-ke.
O percurso de Cantet em seu filme mais notável é também o que o distingue na abordagem da educação. Não é da escola que se fala, como em tantos discursos bem-intencionados, mas enviesados. Aqui, é a própria escola que se deixa revelar.


ENTRE OS MUROS DA ESCOLA
Produção: França, 2008
Direção: Laurent Cantet
Com: François Bégaudeau, Nassim Amrabt e Laura Baquela
Onde: estreia hoje nos cines Bristol, HSBC Belas Artes e circuito
Classificação: não recomendado para menores de 12 anos
Avaliação: ótimo



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