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ANÁLISE
Polêmica literária sobrevive anêmica
ALEXEI BUENO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Para nós, contemporâneos
desta coisa insólita que responde pelo nome de politicamente
correto, chega a ser difícil imaginar a força, a virulência e até a
popularidade que tiveram as
polêmicas literárias no Brasil.
Com ancestral tradição portuguesa, o gênero se inaugura
mais visivelmente entre nós em
1856, após a publicação do poema épico "A Confederação dos
Tamoios", por Gonçalves de
Magalhães. José de Alencar,
então com 27 anos e já com o
espírito combativo -para não
dizer birrento- que sempre o
caracterizou, leu o poema, não
gostou do que leu, irritou-se
com o favor, para ele injusto,
que d. Pedro 2º outorgara ao
poeta e começou a publicar no
"Diário do Rio de Janeiro" as
suas "Cartas sobre a Confederação", dando origem à polêmica célebre. Magoado, o imperador saiu em busca de apoio, indo atrás dos respeitabilíssimos
nomes de Monte Alverne, Varnhagen e até de Gonçalves Dias,
que em nada correspondeu à
sua expectativa.
Da década seguinte é a memorável polêmica sobre as Bíblias falsificadas, antepondo,
no Recife, o bravo general
Abreu e Lima, um dos maiores
espíritos libertários do nosso
século 19, ao monsenhor Pinto
de Campos, natural do Pajeú
das Flores, berço maior de cangaceiros e valentes no Brasil, o
que explica de certa forma o nível a que desceu o embate.
Na década de 1870, o Brasil é
sacudido pela polêmica entre
José de Alencar, novamente
ele, e Joaquim Nabuco. Ao cearense, que era escravista e odiava o imperador desde que este
não o escolhera para senador
do império, se opunha o jovem
abolicionista pernambucano.
Em 1879, Camilo Castelo
Branco publica em Portugal o
"Cancioneiro Alegre", no qual
escarnece de vários dos nossos
românticos por seus solecismos e deslizes gramaticais. Em
resposta, dando origem a um
combate memorável, Carlos de
Laet descobre os mesmíssimos
deslizes e solecismos na obra
gigantesca de Camilo, cuja força para a polêmica apavorava
até os mais corajosos.
Em 1888, momento marcante do naturalismo no Brasil, Júlio Ribeiro publica "A Carne". O
padre português Sena Freitas,
discípulo aliás de Camilo Castelo Branco, então residente
em São Paulo, reagiu virulentamente à obra com artigo intitulado "Carniça", dando margem
à terrível resposta de Júlio Ribeiro, "O Urubu Sena Freitas".
No mesmo ano, têm início os
terríveis ataques de Sílvio Romero a Machado de Assis, que
redundarão, 11 anos depois, na
resposta de Lafayette Rodrigues Pereira em Vindicae. Após
esse episódio, Sílvio Romero
assestaria suas baterias sobre
Teófilo Braga, José Veríssimo e
Laudelino Freire.
De 1902 data a mais célebre
polêmica gramatical -gênero
infindável e quase sempre ilegível- havida entre nós, a que se
travou entre Rui Barbosa e o
professor Carneiro Ribeiro sobre a redação do Código Civil
brasileiro, originando a celebérrima "Réplica". Tais polêmicas gramaticais, satirizadas
por Monteiro Lobato em "O
Colocador de Pronomes", dominaram o Brasil do início do
século 20. Relacionadas com a
eclosão do modernismo, temos
aquela que antepôs o recém-lembrado autor de "Urupês"
aos próceres do movimento,
quando da exposição de Anita
Malfatti, em 1917, o embate entre Graça Aranha e a Academia
Brasileira de Letras, ou a carta
aberta de Mário de Andrade a
Alberto de Oliveira. Quase do
mesmo período é o choque
mais do que truculento entre o
genial polemista Antônio Torres e seu arqui-inimigo João do
Rio; o primeiro, um lusófobo fanático, o segundo, o maior propagandista da colônia portuguesa na capital federal.
Na década de 1930, acontece
a polêmica conhecida como escândalo da Academia Brasileira
de Letras, envolvendo Cassiano
Ricardo, Fernando Magalhães,
Olegário Mariano, Edmundo
Muniz e, indiretamente, a vencedora do concurso da casa, Cecília Meireles. Duas décadas
mais tarde, será a vez da carta
aberta de Augusto Meyer a
Agripino Grieco, ainda em defesa de Machado de Assis, como
já acontecera com os ataques de
Sílvio Romero.
As vanguardas surgidas na
década de 1950 proporcionaram, até por posição programática, uma verdadeira enxurrada
de polêmicas que, de certo modo, continuam até hoje.
Na década de 1970, finalmente, explode a infindável polêmica entre Joaquim Inojosa e Gilberto Freire, a respeito do, ao
que tudo indica, apócrifo "Manifesto Regionalista". Dessa
época até hoje, a polêmica literária sobrevive, ainda que cada
vez mais anêmica em meio da
nossa civilização de massa.
ALEXEI BUENO é poeta e um dos autores de
"Duelos no Serpentário - Uma Antologia da Polêmica Intelectual no Brasil 1850-1950"
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