São Paulo, Sábado, 13 de Março de 1999
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ARTES PLÁSTICAS
Escultor ganha retrospectiva de 50 anos de carreira em Madri; mostra terá versão brasileira este ano
Espanhol Chillida elimina os excessos

CELSO FIORAVANTE
enviado especial a Madri

O artista plástico espanhol (do País Basco) Eduardo Chillida é conhecido especialmente por sua tendência à gigantomaquia (criação de obras em grande escala para espaço públicos). Realiza esculturas que ultrapassam o peso de cinco toneladas e que estão muito bem fixadas em seus lugares de destino.
Isso, porém, não impossibilita que o Brasil venha a ver, nos MAMs do Rio e de São Paulo, no final deste ano e início do próximo, se o "Patrocinador" quiser, uma retrospectiva abrangente do mais importante escultor espanhol vivo. Trata-se de uma versão reduzida da megaretrospectiva que o Centro de Arte Reina Sofia, em Madri, exibe atualmente.
Tratar Chillida como grandioso vem a ser pleonasmo, seja pela escala de seus trabalhos, seja pelo conceito primordial de sua produção: estabelecer uma nova relação entre o homem e seu meio.

Energia do vazio
A produção de Chillida é baseada na eliminação do que é excessivo e na captação da energia do vazio. Essa proposta -trabalhada principalmente em suas grandes obras públicas, como no "Monumento à Tolerância" (Sevilha), "Elogio do Horizonte" (Girona, Espanha) e "Portas da Liberdade" (Münster, Alemanha)- parte do conceito de "Temenos", palavra grega que designa o local escolhido para honrar o rei e seus melhores guerreiros.
Assim, da mesma forma que para os gregos existem espaços reservado à divindade, para Chillida, o espaço da escultura deve se impor por seu silêncio carregado de significados para assim se configurar em um espaço místico e poético.
Para ele, além do espaço, o escultor trabalha também com o vazio, da mesma forma que a música só se realiza a partir da conjunção de som e silêncio.
"A concepção espacial da escultura de Chillida designa uma brecha e marca uma ponte entre a experiência existencial que temos do espaço e o conhecimento científico do mesmo", escreveu o crítico Kosme de Barañano em um dos textos do catálogo da mostra no Reina Sofia. "É a representação de uma concepção irrepresentável, é uma estética de uma nova projeção cognoscitiva que tenta dar um novo sentido ao lugar, ao espaço", complementou.
Chillida começou sua carreira artística em 1947, depois de abandonar outras duas carreiras: a de arquiteto e a de jogador de futebol (era um goleiro em ascensão no Real Sociedad, mas uma lesão no joelho o tirou de campo para sempre).

Figuração e geometria
Nos primeiros anos, chegou a produzir esculturas figurativas em gesso, como "Torso" (1948) e "Yacente" (1949), ambas no Reina Sofia, em Madri.
A figuração, porém, logo deu lugar aos planos e formas geométricos moldados em ferro, mas também em madeira, granito, alabastro, aço e terracota.
Em alguns poucos trabalhos, Eduardo Chillida chega a trabalhar com mais de um material, como na escultura "Yunque de Sueños" (1962), que pertence ao acervo da Telefónica (empresa que possui grande coleção de arte contemporânea em seu país de origem e que se instalou recentemente no Brasil para explorar a telefonia).
Chillida cria obras silenciosas, em que vazios e saliências se conformam em total harmonia, embora sem qualquer lógica possível, demonstrando uma certa indecisão entre as curvas e os ângulos, algo que rende à produção do artista uma sedutora organicidade, como se a racionalidade fosse tomada de improviso pela invenção.
Mas, em 50 anos de carreira e 75 de vida, Chillida não realizou apenas esculturas. Também produziu uma extensa obra gráfica e milhares de desenhos (grande parte autônomos e não projetos de esculturas). Tamanha quantidade se deve também a outra característica do artista: a serialização do trabalho.
Isso, porém, não quer dizer que Chillida produza trabalhos em série, como múltiplos e gravuras de grande tiragem. A serialização significa a dedicação durante anos ou mesmo décadas a uma fórmula, material ou problemática desenvolvidos por ele.

Hibridismo
A série "Gravitações", por exemplo, é composta por obras em papel produzidas desde 1987. São folhas de papel superpostas, que recebem intervenções de desenho ou pintura e que são expostas penduradas por fios. Elas podem ser definidas como desenhos, colagens, gravuras, relevos ou mesmo móbiles, já que são suspensas no ar.
Mesmo nesses trabalhos, o que prevalece são questões gerais da obra do artista, como gravidade e espaço. As "gravitações" parecem folhas de papel acomodadas, mas estão em constante tensão com o espaço circundante.
A complexidade e invenção da obra do artista espanhol fez com que ela fugisse do domínio do artístico e interessasse, além de críticos e artistas, também filósofos (Gaston Bachelard, Martin Heidegger), arquitetos (I.M. Pei, Juan Daniel Fullaondo), poetas (Octavio Paz) e outros.
A versão sul-americana da mostra de Eduardo Chillida contará com 137 obras, divididas em esculturas em ferro, granito e alabastro, desenhos, "Lurras" e "Gravitações" (veja quadro abaixo).
Sua primeira escala é no Museu de Belas Artes de Buenos Aires, em agosto. Em novembro, a mostra chega ao MAM-Rio. O MAM-SP recebe o evento entre fevereiro e março de 2000.


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