|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TECNICAMENTE EXEMPLAR
O mundo lírico empobrece
JOÃO BATISTA NATALI
da Reportagem Local
Bidu Sayão notabilizou-se por
personagens reservados a sopranos de voz pequena, mais leve, o
que de imediato colocava fora de
seu alcance boa parte das heroínas
de Verdi -papéis valorizados,
pouco mais que hoje, pelo repertório em voga nos anos 30 e 40.
Ao mesmo tempo, por não cantar em alemão, a artista brasileira
não chegou a enveredar por Wagner ou Richard Strauss, dois compositores líricos com personagens
que se adaptariam perfeitamente a
seu timbre e a seu registro.
São esses, grosso modo, as duas
principais razões que impedem
qualquer analogia entre a grandiosa carreira de Bidu Sayão e a de outras sopranos com notabilidade
póstuma talvez bem maior.
A isso se acrescente uma espécie
de fatalismo tecnológico. Sua voz
começou a envelhecer antes que,
no final dos anos 50, se popularizasse a alta fidelidade.
Seu apogeu artístico ainda coincidiu com os registros em 78 rotações, que tornavam proibitiva a
gravação de uma ópera completa.
O mercado discográfico então editava quase que exclusivamente
partes orquestrais, duetos ou árias
isoladas do contexto lírico.
Mesmo assim, as gravações da
Columbia (hoje pertencente à
Sony) mostram uma Bidu Sayão
tecnicamente exemplar. Poucas de
suas contemporâneas chegariam
perto da maneira delicada como
ela abordava o papel da camponesa Zerlina, em "Don Giovanni", de
Mozart, distante da entonação entre libertinosa e cafajeste que outras vozes imprimiram ao papel.
Também do repertório mozartiano, ela está entre as antológicas
intérpretes de Suzana, em "As Bodas de Fígaro", ao mesmo tempo
pueril e perspicaz, com as notas
mais agudas teatralizando a indignação ou exprimindo de forma
cristalina a pureza da alma.
Ela também foi uma das grandes
Mimi, em "La Bohème", de Puccini. Perfeitamente adequada na ingenuidade intrínseca que o personagem deve ter. Ela ainda se sobressaiu em "Romeu e Julieta", de
Gounod, ou em "La Gioconda", de
Ponchielli.
Por fim, Bidu Sayão é a demonstração de uma maneira -digamos- atemporal de cantar. Não
há nela os trêmulos exagerados,
em seu tempo indevidamente considerados como prova de controle
da técnica vocal, mas que hoje seriam assimilados a um exagero de
gosto duvidoso. O mundo lírico
hoje amanhece mais pobre.
Texto Anterior: Repercussão Próximo Texto: Cronologia Índice
|