São Paulo, quinta-feira, 13 de abril de 2000


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JEAN ROUCH
Mostra traz mestre do cine verdade

RENATO SZTUTMAN
especial para a Folha

Começa hoje, no Espaço Unibanco, a retrospectiva de nove filmes do antropólogo francês Jean Rouch, em mostra paralela ao festival É Tudo Verdade.
Embora pouco conhecida pelo público brasileiro, a obra de Rouch, perseguidor de culturas e modos de vida distantes, é uma referência fundamental para realizadores de todo o mundo. Cunhou um estilo e uma prática muito particulares, reunidos sob o rótulo de cinema verdade.
Mas a contribuição de Rouch, hoje com 83 anos e em plena atividade, não se restringe ao campo do documentário. A nouvelle vague, movimento devastador na França dos anos 60, lhe deve boa parte de sua inspiração.
Como argumentou o admirador confesso Jean-Luc Godard, em uma resenha do filme "Eu, um Negro" (1954): "Como a Joana de outros tempos, o nosso amigo Jean partiu com a câmera para salvar, senão a França, ao menos o cinema francês".
Engenheiro, Rouch apaixonou-se pelos estudos antropológicos quando, no final dos anos 40, descobriu o continente africano.
Retratar a África atual passou a ser seu principal intento e, para tanto, o cinema era eleito como veículo primordial de revelação. A pesquisa de campo, ofício do antropólogo acadêmico, tomava corpo na forma de filmes e as dificuldades de captação em lugares ermos eram contornadas com criatividade tecnológica.
Seguindo os passos do "totem fundador", Robert Flaherty (de "Nanook of the North", 1922), Rouch incrementou o manejo de sua câmera participante e consolidou os rumos do seu cinema verdade. Verdade não no sentido ingênuo do termo, mas, como produção de um discurso imagético capaz de revelar aquilo que o olho humano não pode enxergar.
A revolução veio com o chamado cinema direto, introdução do registro simultâneo de imagem e som, permitido pelo uso de um gravador. A câmera cada vez mais leve e ágil, em sincronia com o gravador, instaurava um cinema de escuta e abria novas possibilidades para a experimentação.
O lugar do som era central para a execução do programa antropológico de Rouch, que tinha como horizonte a explicitação do ponto de vista dos nativos filmados. Era preciso que eles não fossem mais retratados como atores passivos, mas sujeitos de sua própria história e de seu próprio enredo.
Em filmes como "Eu, um Negro" e "Pouco a Pouco" (1969), a fala dos personagens africanos invade as cenas, seja compondo diálogos, seja na forma de comentários gravados posteriormente sobre imagens já registradas.
"Eu, um Negro" é talvez o exemplo mais instigante do cinema verdade de Rouch. A câmera acompanha os personagens nas suas aventuras em um bairro de Abdijã, Costa do Marfim. E eles convidam o espectador a conhecer o seu universo.
"Pouco a Pouco" é uma versão das "Cartas Persas" de Montesquieu. Personagens africanos, que já haviam trabalhado com Rouch em "Jaguar" (1967), visitam a França para pesquisar, como fazem os antropólogos, o comportamento dos "nativos" parisienses. Algo próximo do que o próprio Rouch, em parceria com o sociólogo Edgar Morin, havia realizado no filme "Crônica de um Verão", em 1960.
"Crônica", um dos filmes mais conhecidos de Rouch, é um retrato de Paris do pós-guerra, marcado pelo clima existencialista de afirmação do sujeito e das incertezas em relação ao futuro.
Diante de contextos de tamanha tensão social (e de certo modo psicológica), o cinema de Rouch despontava como veículo denunciador, ou melhor, provocador. Fomentava uma consciência renovadora -humanista- que incluía o respeito às diferenças culturais e a denúncia de um Ocidente etnocidário e opressor.
Para além de suas experiências eternizadas no campo da linguagem cinematográfica, é um cinema para ser redescoberto em sentidos vários.


Renato Sztutman dirigiu, em parceria com Ana Ferraz, Edgar Cunha e Paula Morgado, o vídeo "Subvertendo Fronteiras" sobre a obra de Jean Rouch, que será exibido hoje, às 19h, no Cinesesc.



O que: Festival Jean Rouch e o Documentário Francês
Organização: Consulado Geral da França em São Paulo e Espaço Unibanco de Cinema
Quando: de hoje ao dia 20
Onde: Espaço Unibanco, sala 4 (r. Augusta, 1.470, Cerqueira César)
Quanto: R$ 4,50 (de sexta a domingo, inclusive estudantes) e R$ 3 (de segunda a quinta, inclusive estudantes)


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