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JEAN ROUCH
Mostra traz mestre do cine verdade
RENATO SZTUTMAN
especial para a Folha
Começa hoje, no Espaço Unibanco, a retrospectiva de nove filmes do antropólogo francês Jean
Rouch, em mostra paralela ao festival É Tudo Verdade.
Embora pouco conhecida pelo
público brasileiro, a obra de
Rouch, perseguidor de culturas e
modos de vida distantes, é uma
referência fundamental para realizadores de todo o mundo. Cunhou um estilo e uma prática
muito particulares, reunidos sob
o rótulo de cinema verdade.
Mas a contribuição de Rouch,
hoje com 83 anos e em plena atividade, não se restringe ao campo
do documentário. A nouvelle vague, movimento devastador na
França dos anos 60, lhe deve boa
parte de sua inspiração.
Como argumentou o admirador confesso Jean-Luc Godard,
em uma resenha do filme "Eu, um
Negro" (1954): "Como a Joana de
outros tempos, o nosso amigo
Jean partiu com a câmera para
salvar, senão a França, ao menos
o cinema francês".
Engenheiro, Rouch apaixonou-se pelos estudos antropológicos
quando, no final dos anos 40, descobriu o continente africano.
Retratar a África atual passou a
ser seu principal intento e, para
tanto, o cinema era eleito como
veículo primordial de revelação.
A pesquisa de campo, ofício do
antropólogo acadêmico, tomava
corpo na forma de filmes e as dificuldades de captação em lugares
ermos eram contornadas com
criatividade tecnológica.
Seguindo os passos do "totem
fundador", Robert Flaherty (de
"Nanook of the North", 1922),
Rouch incrementou o manejo de
sua câmera participante e consolidou os rumos do seu cinema
verdade. Verdade não no sentido
ingênuo do termo, mas, como
produção de um discurso imagético capaz de revelar aquilo que o
olho humano não pode enxergar.
A revolução veio com o chamado cinema direto, introdução do
registro simultâneo de imagem e
som, permitido pelo uso de um
gravador. A câmera cada vez mais
leve e ágil, em sincronia com o
gravador, instaurava um cinema
de escuta e abria novas possibilidades para a experimentação.
O lugar do som era central para
a execução do programa antropológico de Rouch, que tinha como
horizonte a explicitação do ponto
de vista dos nativos filmados. Era
preciso que eles não fossem mais
retratados como atores passivos,
mas sujeitos de sua própria história e de seu próprio enredo.
Em filmes como "Eu, um Negro" e "Pouco a Pouco" (1969), a
fala dos personagens africanos invade as cenas, seja compondo
diálogos, seja na forma de comentários gravados posteriormente
sobre imagens já registradas.
"Eu, um Negro" é talvez o
exemplo mais instigante do cinema verdade de Rouch. A câmera
acompanha os personagens nas
suas aventuras em um bairro de
Abdijã, Costa do Marfim. E eles
convidam o espectador a conhecer o seu universo.
"Pouco a Pouco" é uma versão
das "Cartas Persas" de Montesquieu. Personagens africanos,
que já haviam trabalhado com
Rouch em "Jaguar" (1967), visitam a França para pesquisar, como fazem os antropólogos, o
comportamento dos "nativos"
parisienses. Algo próximo do que
o próprio Rouch, em parceria
com o sociólogo Edgar Morin, havia realizado no filme "Crônica de
um Verão", em 1960.
"Crônica", um dos filmes mais
conhecidos de Rouch, é um retrato de Paris do pós-guerra, marcado pelo clima existencialista de
afirmação do sujeito e das incertezas em relação ao futuro.
Diante de contextos de tamanha
tensão social (e de certo modo
psicológica), o cinema de Rouch
despontava como veículo denunciador, ou melhor, provocador.
Fomentava uma consciência renovadora -humanista- que incluía o respeito às diferenças culturais e a denúncia de um Ocidente etnocidário e opressor.
Para além de suas experiências
eternizadas no campo da linguagem cinematográfica, é um cinema para ser redescoberto em sentidos vários.
Renato Sztutman dirigiu, em parceria com
Ana Ferraz, Edgar Cunha e Paula Morgado, o
vídeo "Subvertendo Fronteiras" sobre a obra
de Jean Rouch, que será exibido hoje, às 19h,
no Cinesesc.
O que: Festival Jean Rouch e o
Documentário Francês
Organização: Consulado Geral da
França em São Paulo e Espaço Unibanco
de Cinema
Quando: de hoje ao dia 20
Onde: Espaço Unibanco, sala 4 (r.
Augusta, 1.470, Cerqueira César)
Quanto: R$ 4,50 (de sexta a domingo,
inclusive estudantes) e R$ 3 (de segunda
a quinta, inclusive estudantes)
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