especial para a Folha

A Sala Cinemateca, em São Paulo, exibe hoje "Notícias de uma Guerra Particular" (1999), de Katia Lund e João Moreira Salles, que na semana passada foi indiciado pela Delegacia de Repressão a Entorpecentes, do Rio, sob a acusação de favorecer o traficante Márcio Oliveira, o Marcinho VP, com bolsa mensal em dinheiro (o cineasta pretendia que Márcio escrevesse um livro).
A exibição será seguida de debate com o escritor e deputado federal Fernando Gabeira, o sociólogo José de Souza Martins, o economista e deputado federal Aloízio Mercadante e o diretor Salles. A disponibilidade de convites deve ser verificada por telefone.
Assistindo ao filme é fácil entender o que está acontecendo a Salles. Ninguém expõe a realidade dessa maneira sem consequências. A polícia civil carioca pode ser corrupta, sim, e alguns de seus integrantes chegam a vender armas para os líderes do morro, testemunham no filme traficantes e policiais (entre eles Hélio Luz, então chefe da Polícia Civil do Rio e hoje deputado estadual).
Agravantes para incriminar Salles: seu documentário foi várias vezes veiculado na TV paga, meses antes de o governador Anthony Garotinho ver-se em meio a denúncias sobre a "banda podre" da força policial carioca.
As imagens contemplam aberrações já rotineiras no país, como infratores menores de 12 anos "abrigados" em instituição "educativa". Mas o filme é menos contundente por lembrar tais horrores do que por golpear crenças burras e maniqueísmos. Todos os protagonistas são ao mesmo tempo heróis e vítimas. Por exemplo, o capitão Pimentel, na primeira frente da guerra fratricida. Digno como um personagem de Clint Eastwood, ele sabe e declara que "o único segmento do poder que encara o morro é a polícia".
Mais de uma vez é lembrado o fato de que a polícia carioca não está a serviço da lei. Ela se encontra em guerra e esta não é feita exatamente do cumprimento de leis. De outro lado, o bandido é, ao mesmo tempo, o assistente social do morro, comprando remédios e fazendo enterros.
Se assim é, onde reside a fonte do mal, da violência e do terror? Antes no fabricante de armas de Suíça ou EUA do que no policial corrupto ou no varejista de cocaína, afirma um entrevistado. Antes no poder político-econômico que perpetua a guerra dos excluídos do que nos seus cavalos e peões, sejam brancos ou pretos, concluem outros. (ALVARO MACHADO)

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