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Morre aos 84 anos Kurt Vonnegut, autor iconoclasta
Considerado "cult" recentemente, escritor do clássico "Matadouro 5" morreu em razão de complicações cerebrais
Autor alcançou sucesso comercial em 2005 com "Um Homem sem Pátria", no qual ironizava a onda neoconservadora de Bush
MARCOS STRECKER
DA REPORTAGEM LOCAL
Kurt Vonnegut, um dos últimos iconoclastas da literatura
americana, morreu anteontem
aos 84 anos. A morte aconteceu
por causa de complicações cerebrais em decorrência de uma
queda na sua casa em Nova
York, há poucas semanas, de
acordo com sua mulher, a fotógrafa Jill Krementz.
Vonnegut era autor do clássico "Matadouro 5", relançado
em 2005 pela editora L&PM. O
livro é um libelo contra a guerra, escrito a partir da própria
experiência do autor na Segunda Guerra, quando foi feito prisioneiro e presenciou o bombardeio aliado em Dresden
(Alemanha). O massacre, possivelmente inútil e apenas com
fins psicológicos e de propaganda, foi um enorme drama
humano que arranhou a imagem de boas intenções das democracias que derrotavam o
totalitarismo e devastou um
grande patrimônio histórico.
O livro foi lançado mais de
duas décadas após o fim do conflito, quando a sociedade americana estava dividida e em
convulsão pelos debates que
cercaram a Guerra do Vietnã.
Sua obra, cujos primeiros livros
datam do início dos anos 50, foi
ignorada no início, e ele teve
um reconhecimento tardio.
"Matadouro 5" foi a obra fundamental de Vonnegut, junto
com "Cama-de-Gato" (já lançado no Brasil, mas fora de catálogo). O estilo dos dois livros, com
tramas improváveis e prosa bizarra que flertam com a ficção
científica, não tinham nada a
ver com o realismo que triunfou no pós-guerra americano.
Narrados por anti-heróis,
seus livros foram acusados de
obscenidade. Além de "cult",
ele é considerado um dos escritores que moldaram a literatura americana no século 20.
Vonnegut era romancista,
contista e ensaísta. Mas era
marcado sobretudo como uma
figura pública, um crítico ácido
e satírico da sociedade americana. Contra a paranóia do culto à saúde, ele se gabava de ser
um fumante inveterado. Numa
sociedade que preza o sucesso e
a eficiência, passava a imagem
de alguém sempre lutando contra a depressão. Tentou o suicídio em 1984 e ridicularizou depois a tentativa malsucedida.
Sua biografia era acidentada.
A mãe se suicidou pouco antes
dele partir para a Segunda
Guerra. Após a morte da irmã,
ele adotou os três filhos dela.
Também tinha três filhos do
seu primeiro casamento, com
Jane Marie Cox. Mais tarde
adotou uma filha com Krementz, sua segunda mulher.
Com família alemã, Vonnegut
estudou química na juventude
antes de partir para a guerra.
Um cético e humanista, que
ironizava a realidade com humor negro, questionava o progresso científico, defendia o livre-pensamento e o triunfo da
imaginação, Vonnegut tinha
um discurso que parecia ultimamente fora de lugar.
Ele já tinha abandonado os
romances, escrevia apenas textos curtos e era colaborador da
revista "These Times", de Chicago. Sua figura de contestador,
com olhos esbugalhados e cabelos desgrenhados, atraía essencialmente platéias alternativas nos últimos anos.
Mesmo assim, antes de sua
morte, sua cidade natal Indianápolis o homenageou declarando que 2007 seria o "ano
Vonnegut". Ele alcançou sucesso comercial em 2005 com
"Um Homem sem Pátria" (publicado pela Record no ano passado), colagem autobiográfica e
coletânea de pensamentos esparsos com ilustrações do próprio Vonnegut, que buscava ridicularizar a onda neoconservadora dos anos Bush.
A respeito da boa venda do livro, Vonnegut declarou que era
uma "bela taça de champanhe
no final da sua vida". Gore Vidal
lamentou a morte de Vonnegut
e notou que o escritor, ao lado
de Norman Mailer e dele mesmo, eram os últimos grandes
nomes da literatura americana
que tinham lutado na Segunda
Guerra Mundial.
Com agências internacionais
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