São Paulo, sexta-feira, 13 de abril de 2007

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Morre aos 84 anos Kurt Vonnegut, autor iconoclasta

Considerado "cult" recentemente, escritor do clássico "Matadouro 5" morreu em razão de complicações cerebrais

Autor alcançou sucesso comercial em 2005 com "Um Homem sem Pátria", no qual ironizava a onda neoconservadora de Bush


MARCOS STRECKER
DA REPORTAGEM LOCAL

Kurt Vonnegut, um dos últimos iconoclastas da literatura americana, morreu anteontem aos 84 anos. A morte aconteceu por causa de complicações cerebrais em decorrência de uma queda na sua casa em Nova York, há poucas semanas, de acordo com sua mulher, a fotógrafa Jill Krementz.
Vonnegut era autor do clássico "Matadouro 5", relançado em 2005 pela editora L&PM. O livro é um libelo contra a guerra, escrito a partir da própria experiência do autor na Segunda Guerra, quando foi feito prisioneiro e presenciou o bombardeio aliado em Dresden (Alemanha). O massacre, possivelmente inútil e apenas com fins psicológicos e de propaganda, foi um enorme drama humano que arranhou a imagem de boas intenções das democracias que derrotavam o totalitarismo e devastou um grande patrimônio histórico.
O livro foi lançado mais de duas décadas após o fim do conflito, quando a sociedade americana estava dividida e em convulsão pelos debates que cercaram a Guerra do Vietnã. Sua obra, cujos primeiros livros datam do início dos anos 50, foi ignorada no início, e ele teve um reconhecimento tardio.
"Matadouro 5" foi a obra fundamental de Vonnegut, junto com "Cama-de-Gato" (já lançado no Brasil, mas fora de catálogo). O estilo dos dois livros, com tramas improváveis e prosa bizarra que flertam com a ficção científica, não tinham nada a ver com o realismo que triunfou no pós-guerra americano.
Narrados por anti-heróis, seus livros foram acusados de obscenidade. Além de "cult", ele é considerado um dos escritores que moldaram a literatura americana no século 20.
Vonnegut era romancista, contista e ensaísta. Mas era marcado sobretudo como uma figura pública, um crítico ácido e satírico da sociedade americana. Contra a paranóia do culto à saúde, ele se gabava de ser um fumante inveterado. Numa sociedade que preza o sucesso e a eficiência, passava a imagem de alguém sempre lutando contra a depressão. Tentou o suicídio em 1984 e ridicularizou depois a tentativa malsucedida.
Sua biografia era acidentada. A mãe se suicidou pouco antes dele partir para a Segunda Guerra. Após a morte da irmã, ele adotou os três filhos dela. Também tinha três filhos do seu primeiro casamento, com Jane Marie Cox. Mais tarde adotou uma filha com Krementz, sua segunda mulher. Com família alemã, Vonnegut estudou química na juventude antes de partir para a guerra.
Um cético e humanista, que ironizava a realidade com humor negro, questionava o progresso científico, defendia o livre-pensamento e o triunfo da imaginação, Vonnegut tinha um discurso que parecia ultimamente fora de lugar.
Ele já tinha abandonado os romances, escrevia apenas textos curtos e era colaborador da revista "These Times", de Chicago. Sua figura de contestador, com olhos esbugalhados e cabelos desgrenhados, atraía essencialmente platéias alternativas nos últimos anos.
Mesmo assim, antes de sua morte, sua cidade natal Indianápolis o homenageou declarando que 2007 seria o "ano Vonnegut". Ele alcançou sucesso comercial em 2005 com "Um Homem sem Pátria" (publicado pela Record no ano passado), colagem autobiográfica e coletânea de pensamentos esparsos com ilustrações do próprio Vonnegut, que buscava ridicularizar a onda neoconservadora dos anos Bush.
A respeito da boa venda do livro, Vonnegut declarou que era uma "bela taça de champanhe no final da sua vida". Gore Vidal lamentou a morte de Vonnegut e notou que o escritor, ao lado de Norman Mailer e dele mesmo, eram os últimos grandes nomes da literatura americana que tinham lutado na Segunda Guerra Mundial.


Com agências internacionais

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