São Paulo, domingo, 13 de abril de 2008

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Crítica/"Partner"

Bertolucci antecipa "Sonhadores" em filme "esquecido", feito no calor de 68

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

O cinema de Bernardo Bertolucci sempre transitou entre a dimensão política e a, digamos, existencial, atingindo alguns de seus momentos mais altos na confluência delas ("Antes da Revolução", "Os Sonhadores").
O pouco conhecido "Partner", realizado no ano-chave de 1968, traz uma curiosa conjugação dessas duas esferas.
Inspirado livremente na novela "O Duplo", de Dostoiévski, o filme fala de um jovem professor de teatro, Giacobbe (Pierre Clementi), que passa a conviver com um sósia ou duplo de si mesmo, Giacobbe 2 (Clementi também).
Imbuído de idéias políticas revolucionárias e apaixonado por uma moça rica (Stefania Sandrelli), Giacobbe no entanto se deixa paralisar pela timidez e pela impotência. O duplo, atuando como um desdobramento da sua consciência e do seu desejo, agirá em seu lugar, abordando a moça e instituindo com seus alunos um teatro de rua à maneira de Augusto Boal, afinado com o espírito de insurreição que animava os estudantes na época.
Nos extras do DVD, Bertolucci diz que durante as filmagens foi introduzindo novidades no roteiro que Clementi trazia da França conflagrada pelo maio de 68. Clementi, que trabalhou também com Buñuel e Glauber Rocha, foi um ator-símbolo daquela época.
Resulta daí um filme não apenas descontínuo, que conjuga godardianamente o descompasso som/imagem, palavras-de-ordem do momento ("É proibido proibir", "A imaginação no poder" etc.) e uma pitada de metalinguagem, mas também um tanto dispersivo.

Cinema, teatro e política
Seja como for, Bertolucci aproxima cinema, teatro e política de maneira estimulante, gerando momentos esteticamente inspirados, como a cena em que sombras gigantes projetadas sobre prédios ganham autonomia em relação aos corpos que as produzem.
Mais do que o maio de 68, que o cineasta voltaria a abordar em "Os Sonhadores", o que "Partner" discute é justamente isso: as relações entre reflexo, imagem e representação. Tema mais político não pode haver.
Quando, nos extras, Bertolucci diz que buscava então uma sintonia entre a vontade política transformadora e a experimentação cinematográfica, está questionando seu cinema mais recente, estetizado ao extremo, mas, na maior parte do tempo, convencional nas formas narrativas.


PARTNER
Direção:
Bernardo Bertolucci
Distribuidora: Versátil
Quanto: R$ 38, em média
Avaliação: bom


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