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Crítica/"Partner"
Bertolucci antecipa "Sonhadores" em filme "esquecido", feito no calor de 68
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
O cinema de Bernardo
Bertolucci sempre
transitou entre a dimensão política e a, digamos,
existencial, atingindo alguns de
seus momentos mais altos na
confluência delas ("Antes da
Revolução", "Os Sonhadores").
O pouco conhecido "Partner", realizado no ano-chave de
1968, traz uma curiosa conjugação dessas duas esferas.
Inspirado livremente na novela "O Duplo", de Dostoiévski,
o filme fala de um jovem professor de teatro, Giacobbe
(Pierre Clementi), que passa a
conviver com um sósia ou duplo de si mesmo, Giacobbe 2
(Clementi também).
Imbuído de idéias políticas
revolucionárias e apaixonado
por uma moça rica (Stefania
Sandrelli), Giacobbe no entanto se deixa paralisar pela timidez e pela impotência.
O duplo, atuando como um
desdobramento da sua consciência e do seu desejo, agirá
em seu lugar, abordando a moça e instituindo com seus alunos um teatro de rua à maneira
de Augusto Boal, afinado com o
espírito de insurreição que animava os estudantes na época.
Nos extras do DVD, Bertolucci diz que durante as filmagens foi introduzindo novidades no roteiro que Clementi trazia da França conflagrada
pelo maio de 68. Clementi, que
trabalhou também com Buñuel
e Glauber Rocha, foi um ator-símbolo daquela época.
Resulta daí um filme não
apenas descontínuo, que conjuga godardianamente o descompasso som/imagem, palavras-de-ordem do momento
("É proibido proibir", "A imaginação no poder" etc.) e uma pitada de metalinguagem, mas
também um tanto dispersivo.
Cinema, teatro e política
Seja como for, Bertolucci
aproxima cinema, teatro e política de maneira estimulante,
gerando momentos esteticamente inspirados, como a cena
em que sombras gigantes projetadas sobre prédios ganham
autonomia em relação aos corpos que as produzem.
Mais do que o maio de 68,
que o cineasta voltaria a abordar em "Os Sonhadores", o que
"Partner" discute é justamente
isso: as relações entre reflexo,
imagem e representação. Tema
mais político não pode haver.
Quando, nos extras, Bertolucci diz que buscava então
uma sintonia entre a vontade
política transformadora e a experimentação cinematográfica,
está questionando seu cinema
mais recente, estetizado ao extremo, mas, na maior parte do
tempo, convencional nas formas narrativas.
PARTNER
Direção: Bernardo Bertolucci
Distribuidora: Versátil
Quanto: R$ 38, em média
Avaliação: bom
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