São Paulo, terça-feira, 13 de abril de 2010

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JOÃO PEREIRA COUTINHO

Eternos retornos


As eleições europeias de 2009 revelaram de forma brutal uma sinistra tendência


ESTOU VELHO. Não é piada. Aos 33, o corpo diz o contrário.
Mas a idade é questão relativa. E o tempo é cavalo veloz. Ou será feroz? Sou o mais jovem professor de ciência política do meu departamento. Mas todos os dias leciono para turmas que nasceram depois da queda do Muro de Berlim, depois da falência da União Soviética, depois do aparecimento do senhor "engraçado" com uma mancha "engraçada" na cabeça (Gorbatchev, é claro). Semanas atrás, e com uma aluna búlgara na sala, resolvi partilhar impressões sobre a Bulgária pós-comunista que visitei em julho de 1992. Ela ouviu com interesse arqueológico.
Depois, disse: "Engraçado. Foi no mês e no ano em que eu nasci". A turma riu. Alarvemente. Eu repliquei uma piada de ocasião: "Bom, também só tinha cinco anos". Mentira. Tinha 16. Riram novamente.
Estou velho. Mas o mundo não está. Nem velho nem novo. O mundo não tem idade. Progresso é conversa ilusória. Moralmente falando. Vivemos mais. Vivemos melhor. O desenvolvimento técnico e científico é inegável. Mas o pensamento progressista vê progresso em todo lado, mesmo onde ele não é cumulativo.
Erro. A história humana nem sempre progride. Às vezes, regride.
Ou regressa ao lugar do crime.
A Europa é o melhor exemplo. Nas notícias dos últimos dias, a Polônia surgiu nos radares. Morte do presidente polonês Lech Kaczynski e sua comitiva de Estado. Em território russo. Macabra ironia: no momento em que russos e poloneses tencionavam relembrar as vítimas do massacre de Katyn (22 mil poloneses assassinados por Stálin em 1940), novo horror em acidente de aviação.
Lamento o sucedido. Mas lamento que a tragédia polonesa tenha ocultado a tragédia húngara ao lado.
Em eleições gerais, os socialistas da Hungria foram varridos do poder. Não apenas pela direita respeitável da legenda Fidesz, que conseguiu a maioria dos assentos no Parlamento. A extrema-direita do partido Jobbik regressa também à cena política com 26 vagas. É a primeira vez que tal acontece desde a Segunda Guerra Mundial. Mas quem é essa gente?
Segundo o "Daily Telegraph", o Jobbik, amparado pela Guarda Magiar, um grupo paramilitar até agora banido pelo estado húngaro, é um partido para o qual a única forma de combater a pior depressão econômica do país desde a década de 1930 passa por repetir a receita de 1930.
Protecionismo feroz. Nacionalismo agressivo. Combate à imigração. E trela curta para judeus e ciganos, vistos como minorias responsáveis pelo declínio da nação.
Pela boca do líder, Gabor Vona, que tenciona tomar o lugar no Parlamento com o traje proibido dos "magiares", uma das soluções para a decadência húngara pode ser a ressurreição da infame "Gendarmerie", o corpo policial militar que deportou 500 mil judeus húngaros para os campos de extermínio nazistas. Aos "gendarmes" de hoje estaria confiada a tarefa mais branda de "vigiarem" as referidas minorias. Enganam-se os que pensam que o caso húngaro é apenas um epifenômeno. Ele é a confirmação de uma sinistra tendência que as eleições europeias de 2009 revelaram de forma brutal. Com uma Europa economicamente estagnada, incapaz de gerar emprego e crescimento, e com a elite política de Bruxelas cada vez mais distante dos problemas reais que afligem as pessoas reais, os europeus são hoje presas fáceis para discursos populistas, nacionalistas e estridentemente xenófobos.
A extrema direita ressurge em todo o continente porque ressurge também o mesmo caldo de medo e ressentimento que produziu os desastres conhecidos.
Assim é na Hungria. Mas, como se viu nas últimas eleições europeias, também na Áustria, na Romênia, na Finlândia. Na Grécia. Na França. E até na tolerante Holanda.
Os meus alunos nasceram com o "fim da história". E olham para certas figuras da memória recente (Gorbatchev, Ceausescu, Thatcher ou Reagan) com a mesma estranheza com que se olha para os daguerreótipos da rainha Vitória.
Essa realidade faz de mim um professor precocemente velho. Mas faz também de mim um professor feliz: por saber que foram poupados das privações e dos horrores de seus pais ou avós. Por saber, enfim, que tiveram a sorte de nascer na altura certa.
Como, apesar de tudo, eu próprio.
Seria uma traição brutal, para mim e para eles, se os líderes europeus do momento esquecessem as lições da história, permitindo um regresso ao passado por cegueira ou inação.

jpcoutinho@folha.com.br


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